Os filhos da rede

Como alguém no extremo sul do Brasil pode ter importância literária ou intelectual pela internet? Tenho refletido esta questão. É uma gentileza que me faço não sem genuflexão sobre o valor do trabalho intelectual escrito nas condições da nova ordem técnica. Está claro que só existem escritores no Brasil nas capitais. Explico antes de levar um golpe com bastão: O escritor interiorano permanece eternamente na condição de ilustre desconhecido com seus floreios de antanho. É escritor sem meios. Mídia no Brasil é fenômeno dos grandes centros.

Aqui no Rio Grande do Sul permanece em Porto Alegre a graça divina da mídia especializada. Assim como os fósforos moram na cozinha, habitam nesta cidade bonita, todas as oportunidades para se granjear bons relacionamentos. São os relacionamentos os fatores básicos para se criar um escritor além da obra. Basicamente a obra em si não presta para muita coisa. É como a chuva ou o guarda-chuva em dias diferentes. Porém os sólidos relacionamentos promovem até jovialidade ao júbilo.

O novo é o meio.

Participo da grande mudança do meu tempo que é a “página aberta aos novos” através da internet. Ela me possibilita ser o mais lido escritor do extremo sul do Brasil da atualidade. Mordam-se invejosos! Logo eu, escritor de variedades que habita esta terra de alta migração, terra intitulada atualmente pelo nome de Santa Vitória do Palmar entre os muitos que teve. Humilde cidade sem definição cultural ao largo de tantas décadas, pois sempre viveu de sua extensa crise de identidade desde o Tratado de Santo Ildefonso. (Campos Neutrais, terra de ninguém além de outros ermos).

Para a grande maioria municipal um homem nascido fora do Rio Grande do Sul como eu e morador urbano, longe destes pagos de latifúndio improdutivo, tenho como representação o dom de acrescentar apenas um zero ao nada da anulação quanto as possibilidades. Porto Alegre também jamais daria importância a qualquer êxito cultural que subisse de conceito longe da mídia grugrulejada de seu julgamento final. É a força da capital. Mesmo com a mídia provinciana apoiada pelo Rio de Janeiro com influência indireta dos globos e impérios globais.

Já a internet confere certa hipótese que serve de prévia para ocultação dos valores concretos. Assim temos textos de grande importância numa linha de trinta mil acessos que se perdem na quantidade com dez ou vinte leitores diluídos em trinta mil mal divididos pela sorte dos títulos. Aos textos isolados resta o trabalho das mãos para fabricar anéis nos cabelos com palavras armazenadas nos arquivos. Arquivos que morrerão fechados nesse destino que ninguém quer ver.

Em meu quinto ano de publicações virtuais fiz de tudo: fui editor, co-editor, cartunista, colaborador, polemista, frasista, cronista, digitador-datilógrafo, revisor. Este é o preço que pagamos para existir nesse idiótico mercado competitivo da literatura humana atualizada. Cheguei a mencionar a palavra “trabalho” para tanto material sensível e estou certo de que foi equivoco. A cegueira consiste em desvalorizar a unidade sobre a quantidade em nome de alguma suposta arte excepcional. Em realidade um bom texto escrito na rede é como espaçonave em fogo. Cai sem estabelecer-se.

Novamente mora nas capitais o sentido de êxito. Lá vivem profissionais organizados e prontos para o respeito das hierarquias desses valores tradicionais: o filho do escritor, o neto do escritor, o bisneto do escritor são como Lordes na arcana Inglaterra: Letrados mesmo analfabetos. O mesmo para a dramaturgia com seu préstito de facilidades à representação vitalícia.

Outro fator de gato na tuba para se levantar a voz é o das tropelias corruptas que andam com rapidez incrível em se tratando de êxito neste país. Que agilidade! Já as coisas honestas se arrastam em protocolos de praxe. Ser escritor, publicar livros, tudo isto no Brasil vem depois da corrupção do que quer que seja. Se você, cidadão de bem, necessita de um desembolso sobre causa ganha e justa sobre a federação, ai, quantas fortificações pesam sobre o homem pobre e sitiado. Esses desembolsos parecerão crime e talvez não aconteça em vida.

Mas vejo com grande cuidado esse negócio de ser escritor do extremo sul do Brasil. Cronista. Desses que reparam em galinha voando ou gulodices de homens públicos com suas impurezas. A vida interiorana nasce para imitar os grandes centros, mesmo caminhando sombrio pelo complexo de inferioridade. Cidadezinha pacata, subjugada pela imagem do rei, do santo ou coronel. Viva na casa grande e senzala do G. Freire enquanto na página da web o texto permanece cercado de ouro, dentro da fabrica de ouro, aonde os donos que não vemos imitam a exploração do estado em condições de máquina.

Em cinco anos de experimentação literária já deveria ter assistido algo expressivo. Novos grandes nomes nascidos bem longe das panelas velhas,panela que deixaram de fazer comida boa. Mas o que sobra é apenas esta sensação de que algo reluz perdido na imensidão dos arquivos repletos de letras. Por assim dizer o texto e o futuro são dois olhos na janela de um sótão. A janela fechada permanece aberta e ameaçada por medida infinita. Nossa cultura atual é a de um arrogante departamento de trânsito (que se envolve, aufere ao máximo sobre o risco e não tem culpa de nada) das idéias. Resta apenas esta confusão entre livre trânsito de informações e suposta qualidade literária. Por sorte meu pedantismo é cínico, suave em mínimas parcelas, posto que verídico.

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De fato é preciso inventar uma trilha na terra santa o que é um bom negócio de fundo...

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 09/03/2011
Reeditado em 09/03/2011
Código do texto: T2837819
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