O que faz o Estado?
Há uns vinte anos, impressionado com a dívida externa do Brasil, que não parava de crescer, mandei uma carta para um economista, dos maiorais, com coluna diária num dos jornais de maior circulação do Brasil, dando a ideia de que todos os brasileiros deveriam doar a mísera quantia de R$1,00 (um real). Com esse gesto simples e fácil, pagaríamos a dívida de uma só tacada. Pensei nisso baseado em um próprio artigo do tal economista. Não recebi resposta, nem para me dizer que estava errado, por isso ou por aquilo... Até hoje sinto vergonha de ter mandado a tal carta. Devo ter dado uma mancada “federal” e com certeza ter sido avaliado como um burro sem remédio.
Essa foi a segunda carta que fiz pensando no interesse público.
A primeira, estava eu com meus 23 anos, quando vi no saguão do prédio do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro, várias cestas com os seguintes dizeres: “Coloque nesta cesta uma sugestão para melhorar os serviços do edifício do Ministério da Fazenda”.
A entrada principal é suntuosa, começando com uma linda e imensa escadaria. Nesta escadaria presenciei várias pessoas idosas caírem nos seus degraus e uma delas morreu, ao bater com a cabeça no chão. Pensei, logo, vou escrever uma carta citando esse episódio e sugerir que façam corrimões na bela escadaria.
Para minha alegria, mais ou menos seis meses depois, lá estavam os corrimões, que existem até hoje, inclusive nas escadarias laterais e os acidentes com os idosos deixaram de acontecer.
Em razão do sucesso dessa minha primeira carta, é que resolvi escrever a segunda, a do economista, que não me deu a menor “bola”. Penso agora: fui mal, escrevi um disparate.
Pois bem, incorrigível, lá estou eu “bolando” uma terceira carta, talvez para alguém de Brasília, sugerindo o que todo Governo do mundo deveria fazer.
Já disse alguém em algum lugar que o que pensamos já foi pensado muito antes por outra pessoa. E vejo que é verdade. Relato, com muita vergonha, que sempre pensei que Governo fosse para cuidar muito bem do cidadão, seja ele quem for. Nunca tive coragem de expressar essa idéia, acreditem, só hoje, nesta despretensiosa crônica de março, “quando as chuvas deste mês vão fechando o verão”, como diria o poetinha Vinícius.
Para dar um exemplo bem simples: nas nossas casas, o que fazemos? Não é cuidar de nossos filhos, esposas, maridos e netos, mesmo que eles, volta e meia, cometam algum erro? Não é a nossa principal preocupação? E não cuidamos depressa para corrigir o mal e botar tudo nos eixos novamente?
Na pequena cidade onde vivo, ao nosso redor, vemos a pobreza aumentando perigosamente, escolas abandonadas, desemprego alarmante, caos na saúde, pessoas mal orientadas na vida e o Governo, invisível, olhando para outras coisas, menos para os seus cidadãos. Existe algum setor neste Governo para aprumar o cidadão necessitado? Preocupar-se com a felicidade dele de verdade?
Agora vem o susto que levei, quase me autorizando a escrever a terceira carta. Mas, confesso, sinto vergonha, ainda acho que estou falando besteira.
Olhem só o que li, alguém citando Aristóteles, que viveu há pouco tempo, 2.300 anos somente, na sua obra “Política”, dando o conceito primordial de Estado. Segundo o mestre, “uma instituição com a finalidade precípua de propiciar felicidade e bem-estar ao ser humano”.
Estaria errado o velho Aristóteles? ? Vejam bem: a palavra chave é propiciar, dar condições, jamais oferecer a receita pronta de felicidade.
Meu Deus, sempre disse isso para os meus íntimos e acho que todos de bom senso também pensam assim. Faz isso, o Estado, efetivamente, como sua atividade principal?