DEPOIS DE UM PASSEIO NA FEIRA HORTIFRUTI
Quanto mais a tecnologia avança mais a natureza vai perdendo a credibilidade. É impressionante como há uma dissociação da vida prática com os conceitos de preservação tão defendidos por aí. “É que há distância entre intenção e gesto”, já dizia o Chico Buarque.
Por exemplo, um alimento orgânico se torna a cada dia um produto exótico, uma espécie de “intruso bem vindo”. Aliás, chamar um alimento que vem da terra de orgânico é uma redundância, não é mesmo? O normal passou a ser a gente consumir aquele monte de frutas, verduras e legumes cheios de agrotóxicos e o orgânico virou uma elite da comida, disponível apenas para quem pode pagar muito mais caro.
Quem tem mais dinheiro vai direto ao panteão sagradado da saúde, que são as gôndolas onde ficam os produtos chamados orgânicos. É uma espécie de templo onde estão depositados, não os restos mortais, mas o que resta de vital para uma existência saudável.
Outro exemplo: desde quando o frango saiu de seu habitat e passou a frequentar incubadoras, sofreu intervenções hormonais para se reproduzir rápido. Aqueles que não o acompanharam, passaram a ser chamados de frangos caipiras. Até então, todos eram apenas frangos. Podemos dizer que temos hoje o frango urbano, moderníssimo e com um adorável gosto de isopor bem temperado e o frango caipira que, para quem não está acostumado com seu sabor, é um alimento estranho. Na minha própria família tem umas crianças e jovens que acham o sabor muito “forte”, dá dor de barriga. Mutações genéticas que ocorrem com os alimentos e com o organismo humano por tabela.
Mas o exemplo mais interessante foi quando eu juntei uma roda de crianças dos seis aos dez, onze anos e falei acerca do hambúrguer. Eu havia escrito um texto falando sobre a roça e o espanto foi geral quando expliquei o processamento da carne desde o nascimento do bezerro até o pai ou a mãe de uma delas ir ao supermercado e comprar uma caixinha de hambúrger. Foi uma incredulidade geral. Teve criança que chegou a me dizer que nunca mais comeria quando soube que tinha que matar o boi para a fabricação. Outros quase me enxotaram por falar mentira tão deslavada. A menorzinha, brava, me disse: “Tio, hambúrger vem das fábricas lá dos Estados Unidos, não tem nada a ver com boi ou vaca não, viu?”