Pedalando
Depois de muitos dias de chuva, a estiagem e o brando calor do domingo convidam para um passeio no parque. E o convite, que parte da adolescente, inclui andar de bicicleta: alugá-la por uma hora e passear sobe duas rodas. No caso dela, três – pois, apesar dos seus dezesseis anos, ela não sabe andar de bicicleta.
Mas ainda há outro detalhe: ela não sabe nem mesmo pedalar. Desde pequena, por conta de seu atraso global de desenvolvimento – nome genérico para algo absolutamente desconhecido e sem prognóstico - faz treinos casuais para que consiga coordenar o movimento e a força dos pés para frente; mas, nas poucas vezes em que promove um pequeno impulso, não consegue controlar o triciclo. Ou uma coisa, ou outra.
Então, os passeios sempre foram assim: ela no triciclo, a mãe a pé ao lado, incentivando com voz firme e séria a filha a manter a cadência e o impulso dos pés para a frente e/ou girando o guidão para evitar trombadas ou quedas. Nenhum desses passeios durava uma hora completa, já que, pouco tempo depois, ambas estavam exaustas, física e psicologicamente.
Mas mais uma vez vão, principalmente levando-se em conta que o convite, excepcionalmente, parte da jovem e não da mãe (que, internamente, sabe que a filha sempre fora aos desgastantes treinos travestidos de lazer para agradar-lhe, jamais por prazer). Lá chegando, alugam o triciclo e uma bicicleta. Desta vez, pensa a mãe, vai tentar acompanhá-la sobre rodas. E desta vez a filha aceita sem nenhuma restrição.
E ainda desta vez a garota, como se sempre houvesse feito isso na vida, sai pedalando e controlando o triciclo ao mesmo tempo. A mãe, espantada e encantada, conduz sua bicicleta olhando para trás quase sem acreditar. E a filha, igualmente encantada (e de certa forma também espantada), sorri um dos mais belos sorrisos que a mãe já vira: sorriso de triunfo e alegria verdadeira, castanhos cabelos brilhantes ao vento, rosto corado de sol e agitação. Uma parada no meio do caminho para um telefonema - o pai precisava saber do progresso - e a filha docemente consola a mãe, dizendo-lhe que não precisa chorar...
(A mocinha ainda não sabe que chorar de felicidade é muito bom.)
Engraçada, a adolescência. Os jovens se rebelam e fazem de tudo para serem diferentes. Esta adolescente é diferente: ela apenas quer ser igual. Igual aos jovens de sua idade que andam de bicicleta, vão a festas, namoram, saem sozinhos. E, pelo pedalar do triciclo, tudo isso poderá ser possível, quem sabe muito em breve.
Afinal, a vida é, acima de tudo, surpreendente.