suicídio.com
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squidthings: Não quero te matar. Mas crianças usam essa m... o tempo todo. Tenho um amigo que tomou 2.650 mg e ficou alucinado durante três dias. Depois acordou abandonado em Cleveland.
fkd up: Eu estou planejando cozinhar N* e injetar na veia.
axlgu: Não funciona. Eu já fiz isso.
Samantha: Se você quer companhia, eu gostaria de ir. O remédio N* é minha primeira opção. Eu estava esperando para viajar com alguém. Estou reunindo os ingredientes para o coquetel de A*. É fácil achar esses remédios on-line. Só não sei se vai funcionar. Mas isso vai me custar US$ 300.
JohnnieR: Sam, estou tentando organizar um grupo de três ou quatro pessoas. Você será mais do que bem-vinda.
angrygirl13: Me corto e me queimo desde os 11 anos. Me corto quase todos os dias. Tenho um filho menor de idade, então eu não posso ir em frente agora... Mas todos os segundos, todos os dias, eu penso na morte.
tanhkx: Se alguém parar de comer, em quanto tempo morrerá? Provavelmente a pessoa vai ficar cega primeiro, certo? Por causa da falta de vitamina A, eu acho.
avalanche: Isso não funciona. Você só vai acabar hospitalizado. O método da intoxicação por monóxido de carbono é confiável. É indolor, mas requer muito tempo. Já tentei e não consegui.
angrygirl13: Meu amigo acabou de tentar se enforcar. Ele estava num programa de prevenção ao suicídio e o deixaram ir ao banheiro sozinho. Mas o lugar não era alto o suficiente para arrebentar o pescoço dele.
kat: Estava postando e notei a resposta de um policial. Devo ficar preocupada se ele estiver me rastreando? Que diabos um policial está fazendo neste site? Talvez ele seja suicida também. Se ele for policial, eu gostaria que atirasse na m... da minha cara.
squidthings: Uma vez, policiais apareceram on-line e tentaram me salvar. Chamaram o 911 e a polícia apareceu na minha casa. Você precisa ter cuidado com quem fala antes de morrer.
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“Serei breve, porém tentarei explicar tudo o que aconteceu antes da minha decisão. À princípio quero deixar claro que não os culpo por terem assistido lentamente à minha morte, não havia outra saída. Não há culpados, o suicídio foi a forma mais digna que encontrei.
Há muito tempo, o mundo dói dentro de mim. Nunca deixei transparecer esta imagem; preferi sofrer calado. Esta foi a forma da qual usei somente com o propósito de fazer a dor parar. Viver não é tão simples como dizem os conselhos que recebemos. Não é por causa de um amor, dinheiro ou relações humanas que fiz isto. O real motivo é algo muito mais profundo, que está além da compreensão de todos.
Perdoem-me pela forma trapaceira como arranjei minha morte, mas era a forma mais simples de ganhar tempo e mantê-los longe desta cena. Não existiu amor, nem festa com os amigos. Nunca existiram amigos.
Se querem um conselho para suportar esta perda, lhes deixo a música. A música eleva a alma, expõe o espírito. Ela só não é capaz de curar. Ela foi a maneira mais próxima de curar a dor, mas não funcionou.
Recorri ao mais extremo método. Acreditem, fiz isto por livre e espontânea vontade. Não fui egoísta, se estudarem meus últimos anos e entenderem à fundo minhas razões, saberão que não o fui. O mundo se suicida a cada dia, um organismo vivo que se corrói graças à um verme chamado sociedade. Um verme que cresceu sob seus cuidados, cultivado lentamente ao longo da existência do planeta. Eu não quero fazer mais parte deste organismo. Ele é sujo demais para mim. Talvez isto chegue aos meios de comunicação, e choque muitas pessoas, porém dentro de alguns dias ninguém mais além de vocês lembrará que alguma vez eu existi. Esta é a real verdade.
Se tentarem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada mudou. O mundo continua igual.
Espero não ter deixado nada pendente.”
Leitores,
A declaração acima é ficcional, criada por mim, com alguns trechos reais, com o intuito de retratar uma atrocidade que vem sendo disseminada entre adolescentes de todo o mundo. A internet possui extremos; ao mesmo tempo em que serve para leitores divertirem-se com histórias amadoras, jogos, etc., serve também como ponto de fuga para outros adolescentes que se sentem excluídos e desamparados. O pensamento é simples: A internet é um meio livre, anônimo, então uma pessoa pode ser qualquer um, e fazer qualquer coisa.
Existem inúmeros fóruns na rede que compartilham um único propósito: auxiliar as pessoas a se matarem. Os primeiros trechos desta ficção foram retirados de um destes locais, portanto, são reais. Anônimos ajudam outros a acabarem com suas vidas, quase como um manual, cujo título é 'Saiba como se Matar'. O Japão e a Grã-Bretanha são os países em que se registraram mais casos deste crime cibernético. Contudo não é necessário ir tão longe para encontrar algum caso. Em 2006, no Rio Grande do Sul, um adolescente de 16 anos usou o método descrito no diálogo inicial, o chamado 'método CO'. Ele era um gênio oculto. Em apenas dezesseis anos, produziu uma obra belíssima, composta por música, fotografias e desenhos. Mas o mundo doía nele. Buscou um destes sites e foi ajudado a encontrar 'a melhor maneira' de como fazer a dor parar.
Foi a partir da grande emoção e indignação com que li a história do gaúcho Yoñlu que resolvi criar esta pequena e ficcional crônica, mais real do que se imagina. Me choca o conhecimento de que existem pessoas dispostas a auxiliar outros a acabarem com as próprias vidas, passando-se por amigos e usufruindo da fragilidade psicológica e emocional de certos jovens. Enquanto eu escrevia isto, e enquanto você lê, milhares de adolescentes são induzidos ao suicídio pela internet, e isto é uma estatística que faz (ou pelo menos deveria fazer) com que os cidadãos pensem um pouco mais a fundo sobre o que a sociedade está se tornando. Eu gostaria muito de que este pesadelo não fosse real, mas não tenho as rédeas do mundo em minhas mãos.
(texto publicado pela primeira vez em 26/12/2008)