Velório no Carnaval

Velório no Carnaval

É proibido proibir, canta Caetano. Mas há acontecimentos que não deviam ser permitidos em certos dias. Por exemplo: morrer no Natal, Ano Novo e no Carnaval. Esses três dias deveriam ser sagrados. Quem o desrespeitasse perderia o direito ao velório, indo direto para a cremação. Ocorrido o óbito a funerária se encarregaria de fazer desaparecer o defunto. Nem a família sentiria, a não ser no bolso, o passamento. Poderia,assim, com os parentes e amigos, continuar os festejos como se nada houvesse ocorrido.

Neste Carnaval tive a experiência pouco agradável de ir ao velório de um amigo lá em Capituva. Morreu em plena terça, à tarde. Exagerou na folia e na bebida e a biela já batendo há muito, não agüentou. Éramos poucas pessoas. Apesar de ser bem relacionado na cidade, poucos estavam dispostos a trocar a folia por uma vigília. Lá pela meia noite alguns cara-de-paus tiveram a coragem de comparecer fantasiados. Até Arlequim e Colombina apareceram no meio de muitos palhaços. Constrangimento foi quando duas netas vieram despedir do avô, fantasiadas. A avó não concordou. Mandou que elas tirassem as fantasias. Ninguém iria pular naquela noite enquanto o seu marido ainda estava quente no caixão. Mas a mãe das meninas, como todas as mães, dizia. Deixem elas irem. É preciso aproveitar. Depois, só no ano que vem. As peraltas, disfarçando a alegria, saíram correndo.

O clube era bem próximo. Na madrugada o som chegava bem nítido. A música que mais me tocou foi aquela nostálgica: Como fui feliz naquele fevereiro/Pois para mim tudo era primeiro/.

A missa de corpo presente, rápida, foi no rito oriental. O sacerdote veio da cidade próxima. Estava com pressa, pois tinha outra missa a rezar, logo após. Depois, viu as condições precárias dos familiares e prognosticou que a contribuição não seria mesmo de grande monta. Essa a razão da rapidez, comentavam algumas más línguas.

A quarta de cinza estava propícia para um enterro. Dia nublado, melancólico. O cemitério ficava além da cadeia. Ao passar por ela, as pessoas que haviam exagerado nos folguedos estavam sendo soltas. Como todos os anos, havia pequena multidão para assistir àquela última passeata carnavalesca, ora vaiando, ora aplaudindo. Muitos ainda na ressaca com suas fantasias. Os foliões eram obrigados a seguir em fila para o centro da cidade acompanhados por uma pequena banda que lascava: Ô abre-alas/Eu quero passar/. Quando o féretro e o cordão se cruzaram, até os que carregavam ao caixão não resistiram. Caminharam sob o embalo dos acordes da marchinha.

Até que esse Carnaval não foi tão mau assim, pensei. Foi divertido, mesmo com velório.

Yoshikuni
Enviado por Yoshikuni em 05/03/2011
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