A binuba

Alguns falam de outra maneira sobre o mesmo drama. Eu, Serafina Constantina Morales , mãe de cinco menininhos. Analfabeta e binuba. Binubei dois maridos ficando binuba aos sessenta. Num minutinho e já lhe conto, moço. O primeiro morreu da bebida. Cachaça para ele era gazolina. Certa vez sonhou que era um carrão de rico, emborcou um martelo de gazolina e cagou fogo. Mas foi um homem bom para mim. Comprava tudo para o conforto da nossa casa. Modesta e ordeira, Cheirava a pinho. Não faltava nada. Comprou geladeira, fogão, TV, tudinho. Tudinho para pagar depois. Veio a morte e as prestações não finaram. Tudo ficou no nome de Constantina, direitinho. Bem direitinho.

Botei, moço, os três menininhos para trabalhar até ficarem grandes e fortes. Cuidei deles. Depois o tempo faz o seu trabalho próprio e cada um tomou seu curso. Cada qual tem seu rumo, sabe moço o que é um rumo prum lado. Vira a cabeça. Um foi para Goiás, outro para Bahia. Teseu sumiu. Uma mãe não pode falar mal do filho que criou, mas Teseu era surdo e ladrão. Decerto deve estar cumprindo pena de regime fechado.

- Como lhe faltou o segundo marido? Disse que era binuba. Ouvi bem?

- Compreendeu muito bem, moço. O pobre do Tavares caiu de um andaime altíssimo. Foi na mudança do telhado em casa do Mirandola. A vida é assim, moço, quem poderia crer que de uma reles goteira nascesse um luto? Finou-se espatifado Tavares. Se foi.

Mas não sem antes cravar em Constantina uma palavra exótica: “binuba”. “Quando eu morrer, zombava, Tavares, você será binuba”. Bi-nu-ba. Cheguei a pensar que fosse coisa distinta como um papel de banco.

- A senhora ficou com o carro dele?

Até carro fiquei. Só que ele colocou também em meu nome. Está aqui: Serafina Constantina Morales. Agora não sei se tenho que pagar ou devolver, estou incerta. Os meninos que sobraram foram adotados no estrangeiro. Um está em Chicago e o outro voltou para o Ceará. São magnatas. Eles etão bem. Mas para mim ficaram as contas. Tomara que todas as contas sejam pagas um dia para todos, né?

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 05/03/2011
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