Sobre o fio

Hoje pela manhã me peguei refletindo sobre como percebemos o mundo.

É interessante observar que a maioria das pessoas só pensa nas cores que compõem o dia em seu início e no seu fim: os amarelos céreos do nascer do sol e o borrão púrpura do crepúsculo são, quase sempre, as únicas cores notadas.

Certa vez li em algum lugar (e isso me fez pensar um bocado) que, ao contrário do que a grande maioria observa, um único dia pode se fundir em inúmeras cores, de matizes impressionantes, e poucas pessoas estão inclinadas a percebê-las. Se cada cor tivesse um cheiro próprio, como elas têm para mim, certamente seriam dignas de mais atenção. Quando vejo uma cor, quase que imediatamente vasculho a memória para resgatar o cheiro com o qual ela está associada e, a partir daí, se eu respirar fundo, estarei respirando-a. Das vezes em que conto isso às pessoas elas se mostram indiferentes quanto à minha maneira sutil de perceber o mundo que me cerca. É justamente a expressão de indiferença estampada no rosto delas que me faz pensar que, por mais absurdo que possa parecer, se eu quiser sentir o cheiro ou o sabor das cores ou de quaisquer outras coisas que não têm cheiro e sabor, ou seja lá o que for, isso é apenas a minha maneira de sentir o mundo, e não importa à ninguém.

A diferença entre pessoas como eu e o resto dos que não possuem este mesmo tipo de percepção está nos sentidos. Quando um indivíduo tem à sua disposição cinco sentidos e não os explora ao máximo, certos detalhes da sua existência podem passar despercebidos. No mundo completamente visual em que estas pessoas vivem, de uma coisa estou convicto: o que me diferencia delas é que, se eu fechar os olhos, ainda consigo sentir a vida pulsando, em uma linha tênue, sobre o fio frágil chamado amor.

Rio de Janeiro, outubro de 2010.