CAUSOS DE ZÉ DONINHA

CAUSOS POPULARES

Zé Doninha era um moreno alto que sempre caminhava na rua Velha, no final da década de 1960 e início dos idos de 1970, na cidade de Pedro Avelino. Trabalhava como carpinteiro. Seu Zé era lírico e aprendeu a ler sem ter estudado em escola nenhuma.

Seu Doninha costumava fazer longas caminhadas pela madrugada ao distrito de Baixa do Meio, distante 30 quilômetros da cidade. Isso ocorria aos domingos, dia de feira. Ele não gostava de carona. Certa vez, o dia estava clareando, bem próximo de Baixa do Meio, um cão vira-lata o mordeu. Pensou Zé Doninha: 'não tem problema'. No retorno, por volta do meio-dia, o danado do cachorro estava numa tremenda soneca à sombra de uma algarobeira. Seu Zé, com um porrete, deu uma pancada segura no animal, que não chegou nem a latir. O velho Zé, experiente, disse: 'quem tem inimigo não dorme no ponto'.

Doninha tinha um problema sério de tuberculose. Sempre batia no peito com força, ao ponto de se ouvir o seu grito a muitos metros de distância. Quando batia, gritava: ' bá, bá, bá...'. Num dia qualquer, um aluno o indagou: 'seu Zé, por que o senhor bate com força no peito?'. O velho respondeu: 'menino, eu tenho certo problema de tuberculosis bacterium, pergunte à sua professora o que é bacilo de coch.'

Certo dia, Zé Doninha passou em frente à casa do agropecuarista Teodoro Ernesto, que estava sentado numa cadeira na sua calçada. Seu Zé bateu com força a mão no peito e 'bá, bá, bá'. Seu Teodoro o interpelou: 'Zé Doninha, bata no seu peito devagar, isso dói'. Doninha perguntou: 'Teodoro, o peito é meu ou seu?', Teodoro respondeu: 'é seu', e Zé Doninha dá o troco: 'se o peito é meu, então 'bá, bá, bá'. E se foi caminhando rua adentro.

O estudante adolescente Helder Câmara chegou à carpintaria e encontrou seu Doninha fazendo uma roda de madeira para carro de mão. Helder Perguntou: 'o que é isso?', a resposta foi imediata: 'isso é uma circunferência e toda ela tem trezentos e sessenta graus, seja grande ou pequena', deixando o rapazinho cabisbaixo.

Essa história aconteceu mais ou menos assim: na comunidade do Açude, Zé Doninha tinha uma grande paixão. Não sei se pelo bairro ou por uma mulher. O certo é que num desses dias loucos da vida, Doninha deve ter feito alguma presepada por lá, ao ponto da polícia ter ido ao local prendê-lo. Quando os soldados passaram em frente à Casa Paroquial, o padre Antas conversou com eles para liberar seu Doninha. Os policiais atenderam prontamente ao pedido do padre, que perguntou o motivo da prisão. Zé Doninha explicou:' padre Antas, eu lhe respeito muito. Mas, samangos me levem preso. Dura lex sed lex. A lei é dura mas é lei. Me prendam que eu errei'.

Zé Doninha fazia humor típico de uma pessoa respeitável e que sua resposta era rápida e convincente. É bom lembrar que na sua humildade, nos seus defeitos e nas suas virtudes, era uma figura doce e simpática. Fazia com que nós sentíssemos uma certa infância nostalgicamente feliz, ouvindo a sua palavra e o seu 'bá'.

Morreu e levou consigo um bocado de segredo e de mistério de sua vida. Como aprendeu a ler? como sabia um pouco do latim, do inglês e do português? quem ensinou a esse 'mestre' alguns segredos da matemática?, da geometria?, do espaço geográfico?

Já não se escuta o 'bá' de Zé Doninha há muitos anos. Grande mestre, grande carpinteiro. "Bá".

Marcos Calaça
Enviado por Marcos Calaça em 04/03/2011
Código do texto: T2828395