O PAI DA FORMANDA

O PAI DA FORMANDA

Hermes Peixoto*

Formatura, casamento, enterro, velório são ótimos momentos para você encontrar aquelas pessoas que não vê há muito tempo, não lembra quem é, mas sabe que conhece. Na formatura de Indira, sobrinha da minha mulher, aconteceu, comigo. Estava sozinho no hall do Centro de Convenções assistindo, pelo telão, o final da solenidade, quando chega o pai da formanda acompanhado de um casal. Eu sabia que já tinha visto o homem, só não me lembrava o seu nome. Ai veio a pergunta, que eu tanto temia, feita pelo pai da formanda.

-Tio, você se lembra dele, não? E completou: É lá de Cruz. Lembrei-me foi de uma crônica do Luiz Fernando Verissimo onde o seu personagem Edgar recebe pergunta semelhante e descobre, no final da crônica, que nenhum dos dois se conheciam. Aquele homem eu tinha certeza que conhecia. Antes que eu respondesse alguma coisa o pai da formanda arrematou sem piedade: - E lá de Cruz, como se aquela afirmativa não me deixasse escolha de lembrança. Resolvi entrar de cabeça na mentira e retruquei:

- Claro que eu lembro. Vi nos olhos dele a certeza de que eu não sabia quem ele era e esperei a pergunta fatal: E quem sou eu? Ele foi piedoso, não perguntou e começamos a conversar e eu louco para cair fora dali antes que fosse pegado na mentira.

-Ele é um dos meus melhores amigos, companheiro de trabalho na Coelba e ele é isso, ele é aquilo, mas nunca dizia o nome do cidadão. Procurei nos meus arquivos um cara de Cruz das Almas que fora colega do pai da formanda com aquela ligação íntima. Ele era bem mais novo do que eu, mas busquei nos tempos de colégio, das boêmias noites de serestas, nada. Ai o camarada perguntou:

- Lembra do gato? Fiz cara de nada e perguntei sem graça: - Gato?! Sim a historia do gato... Ele não conseguiu concluir a historia, talvez uma pista, pois a formanda chegou e tornou-se, claro, o centro das atenções; abraços parabéns, afagos, beijos e eu ali com a cabeça a mil procurando um gato. E eu buscava no Edgar da crônica do Verissimo uma solução para o meu problema. No auge do desespero pensava irritado: Nunca mais vou dizer que conheço um cara sem me lembrar de fato quem ele é. Agora quando me perguntarem vou responder, na lata, NÃO.

- E então Herminho... - só me chamam Herminho aquelas pessoas da minha infância e adolescência. Nova busca nos arquivos; nada. Como vai D. Lurdes? Ele conhecia a minha mãe. Meu Deus, quem é esse cara?! As conversas foram surgindo, desaparecendo e eu driblando todos os obstáculos para garantir a minha mentira. Nenhuma pista me conduzia ao nome do amigo do pai da formanda.

Já suspirava aliviado ante as despedidas do casal quando aconteceu o desastre maior. Minha mulher chegou na roda das conversas e o pai da formanda foi logo perguntando:

- Tia Selma, você lembra dele? E o arremate cruel: É lá de Cruz.

Ela olhou o rapaz e respondeu com uma sinceridade desconcertada:

- Não. Voltou a olhar o casal e confessou mais uma vez que não se lembrava. Oh! Como eu desejei ter sido honesto como ela foi. Ai o pai da formanda deu a informação catastrófica:

- Pois, tio Herminho lembrou!

Claro, que a pergunta viria em seguida. A mulher virando-se para mim perguntou: Quem é?

Se eu fosse uma avestruz teria enterrado a cabeça no chão. Eu não era. Minha cara que já era de nada passou ser de desespero. E eu ali aparvalhado sem saber o que dizer. Fingi olhar o telão, como que não tivesse ouvido, virei de lado para não olhar as pessoas. O que eu iria responder?

- Quem é insistiu a mulher. Boca aberta sem sair nenhum som eu olhava para um para outro quando num estalo de memória, minha mulher retirou-me daquela situação incômoda :

- É o Nilton, não é?

É sim tia é o Nilton Brandão, que morou lá na rua Desidério Brandão.

Abraçamo-nos, despedimo-nos e partimos. Minha cara agora era de completo arrependimento e vergonha.

E o baile ainda iria ser no dia seguinte.