A FORÇA DO DESTINO *
Mulher sou-me. Assumida de manhã à noite entre panelas, filhos e sobras de pensamentos que recolho a cada anoitecer e debito no livro aberto de minha existência.
Cozinho, coso, cirzo, sirvo, sonho e sinto. Sinto não ser apenas a sombra que me impõe a sociedade baseada em verdades que não minhas.
Sinto a carne edificada com esforço por tijolos sobrepostos um a um e não simples estilhaço de costela herdado de uma tradição que contesto por inverídica e mal interpretada.
Só eu compreendo a minha nostalgia, saudade de sol e lua, de terra e água, onde me gerei em passados remotos, tão remotos que sobrou sequer um tênue sinal de inscrição ou data.
Dentro de mim trago a matriz da vida, a chama da paixão e as caladas e frias profundezas de um inferno ao qual às vezes desço, pois apenas eu possuo a senha e as chaves.
Por fora a pele ardente, o delírio e o pudor em mostrar que também tenho a superfície translúcida de um céu, onde, em noites suaves brilham estrelas e onde planetas seguem suas rotas programadas circundando o sol.
Vivo uma vida plena de mistérios jamais revelados a olhos curiosos, mas que, aos escolhidos deixo intuir, assim como num convite silencioso: entrem, a porta de acesso à mim está aberta. Eis-me com minhas rochas e lagoas, meus oceanos e vulcões, minhas convulsões e abismos de águas profundas habitados por serpentes e corais, por algas e cavalos-marinhos.
Sou-me plena e me orgulho, pois que conquistei às duras penas o direito à minha liberdade de fêmea sem escudos protetores que já tiveram o peso da cruz pra tantas pioneiras de caminhos desbravados, em épocas que à nós era negado o direito à posse da própria alma.
Há! Repito: há, há, há... Rio de tanta insensatez humana. Rio dos que ainda hoje tomam minha extirpe como troféu de caçadas sem regras fixas.
Cozinho, coso, cirzo, sirvo, sonho e sinto a guerreira em mim que finalmente, após milênios mostrou as garras luminosas, arranhou as carnes nuas de Adão, tomou-lhe a maça e atirando-a ao infinito, desafiou outras leis, que não as do perdido paraíso.
* Desconheço a autoria, se alguém souber eu agradeço o informe.
Achei belo demais, por isso a publicação.
Meus parabéns a todas as mulheres!