TERAPEUTAS ACIDENTAIS
TERAPEUTAS ACIDENTAIS
Certa vez assisti um filme chinês que me marcou muito, embora não me recordo o nome. Havia um garoto de sete anos que adorava fotografar e as fotos, ao serem reveladas, mostrava cenas engraçadas, como mosquitos rondando uma cabeça careca. Sua avó estava em coma e os familiares, inclusive o garoto, faziam companhia , revezando na permanência junto ao leito. A senhora não podia falar, fazendo o papel de "psicanalista". Cada um que chegava aproveitava o tempo para falar de seus problemas, expor suas dificuldades, dizer das suas angústias, conflitos, dilemas, dúvidas e , aos poucos, iam descobrindo suas verdades; estas não estão no outro, mas dentro de cada um. O eco das suas falas permite uma melhor organização, clareza nas ideias e posicionamentos quanto ao que valeria ou não a pena sofrer, chorar e perder noites de sono.
Lembrei-me da avó e usei meu neto Léo para ser meu "psicanalista", já que ando há muito sem fazer análise, dando um descanso à escuta do meu psicanalista. Às vezes sinto falta de ser ouvida profissionalmente, porque o crescimento é incomensurável. Aproveitei uma manhã calma e luminosa na beira-mar da Ponta Verde e, após, a minha neta Laís ter feito um poço e o Léo ter se apossado dele, aproveitei o fato de estarmos só nós dois e coloquei-o na posição do grande "Outro", falando-lhe das minhas dúvidas, dos meus afetos, dos meus planos, do que estou fazendo e do que vou fazer e ele, com um ano e nove meses, olhava para mim, resmungava palavras que lembram o russo e se calava, com ar de quem entendesse, mas só lhe restava escutar e escutar, enquanto tentava jogar a areia ao redor do poço para dentro. Seu desejo era tamponar o poço e eu tentando tamponar minhas faltas, minhas carências.
Existem pessoas que tomam emprestado os ouvidos das suas amigas(os) para confessar seus dramas mais íntimos. São "terapeutas" acidentais e na fala há um certo alívio do que incomoda. Cuidado nunca é demais , porque amigas dão força, dão apoio, mas não são profissionais da psicologia, da psicanálise e os conselhos podem ser bons ou causar males irreversíveis, sem contar com as críticas, os preconceitos e as censuras que poderão surgir.
Flaubert, ao descrever o comportamento de "Madame Bovary", mostrou ser conhecedor da prudência, descrevendo sua personagem "fazendo também inúmeras confidências à sua cachorrinha. Fez também às lenhas da lareira e ao pêndulo do relógio". Seu drama era imenso por viver em um casamento falido e ela "No fundo de sua alma esperava um acontecimento. Como os marinheiros aflitos, passeando seus olhos desesperados pela solidão de sua vida". Sentia necessidade de falar e, na ausência de pessoas confiáveis, usava destes recursos.
Há inúmeros momentos na vida do sujeito que uma escuta profissional seria uma coisa boa. Há muita resistência em procurar alguém da Psicologia ou da Psicanálise. Quando se decide, é no desenvolvimento das sessões que percebe os benefícios e muito mais no "só-depois". Os vislumbres que vão surgindo, o apossar de sua vida com mais clareza, dão uma diretriz que antes não sabia ser possível. Hoje mais e mais pessoas se beneficiam com acompanhamento psicológico. Só sabe quem experencia, embora implique em sofrimento, em desarrumação, em impaciência, sabe o valor do crescimento e o quanto é imenso e gratificante.
Escutei: "Ele é inteligentíssimo, um pesquisador reconhecido nacionalmente, mas é no seio familiar uma pessoa difícil e infeliz...". Será que ser inteligente não implica em buscar caminhos para ser feliz? O inteligente de hoje é o emocional, sendo aquele que demonstra plasticidade no bom trato com os outros e consigo. Alguém que não está bem não pode passar para os outros o que não sente.
O bom da vida é se buscar meios para se sentir equilibrado em todas as áreas. Quando se sabe que a infelicidade está rondando, por que não buscar ajuda? Lucram o sujeito e quem está à sua volta.