OS CICLISTAS VOADORES
Resumo da semana: 1ª cena) Dois irmãos matam um estudante e ferem outro porque um dos agressores foi chamado de “otário” duas horas antes do crime; 2ª cena) Para vingar-se do amante, uma mulher enforcou a filhinha dele, de seis anos, deixando o corpo da vítima debaixo da cama por dois dias; 3ª cena) Chateado porque os pais lhe cobravam um emprego, um rapaz mata os dois, a facadas, com a ajuda de um colega, e depois vai beber cerveja; 4ª cena) Também chateado porque uma turma de ciclistas lhe embaraçava a passagem, um “respeitável” senhor acelera seu carro contra o bando, arremessando no ar bicicletas e condutores como se fossem pinos de boliche.
Tem mais (sequestro com morte, policial matando policial), mas eu vou ficar por aqui. E vou ficar com a seguinte pergunta, entalada na garganta: Afinal, o que está acontecendo?
Psicólogos, pedagogos, sociólogos, antropólogos, professores, ministros, digam alguma coisa! Qualquer coisa!
Deputados, Senadores, Presidenta Dilma, Papa Bento XVI, olhem para baixo e me expliquem a lógica dessa ciranda de desatinos. “Quousque tandem Catilina...”
E você, Tiririca (desculpe, Vossa Excelência), me diga: vai piorar?
Não é tanto por mim que faço a pergunta. Sexagenário, já estou na contagem regressiva e tenho poucas jabuticabas na bacia, para lembrar Rubem Alves.
Mas eu tenho um neto de quase três anos, cujos pais o ensinam a viver num mundo diferente. Um mundo onde não se permite a violência nem nos desenhos animados. Um mundo que se abre com as palavras mágicas “obrigado”, “com licença”, “desculpa”, “por favor” e outras do mesmo diapasão. Será esse mundo – em que fui criado e criei meus filhos – uma fantasia nos dias atuais? Será o mundo dos otários?
Ora, o avô é um pai em segundo grau. Uma espécie de segunda instância. Se não interfere diretamente na educação dos netos, pelo menos tem de dar bom exemplo. E que exemplos devo dar nessa condição, hoje em dia?
Eu coloco o guri no carro, no banco de trás, preso na cadeirinha e vou levá-lo ao parque da cidade. Até aí tudo bem. Mas se eu vir um catador de lixo com sua carroça na minha frente, dificultando a ultrapassagem, que devo fazer? A) Esperar pacientemente a liberação da pista; B) Buzinar pedindo passagem; C) Xingar o homem de vagabundo, desocupado e outros impropérios do mesmo calibre, sugerindo que ele arrume um emprego.
Situação difícil. Se eu espero, o motorista de trás pode ficar “chateado” com a minha inércia e despejar sua ira contra mim. Se buzino, o carroceiro pode me chamar de “otário” e aí, pelas novas regras de convivência em sociedade, eu posso matá-lo. Se digo para ele arrumar um emprego, então, pelas mesmas regras, eu é que corro o risco de ser esfaqueado. Diante do impasse, só me restará uma saída: dar um violento “chega-pra-lá” no infeliz, porque, afinal, eu sou um cidadão que paga todos os impostos. Porque a rua foi feita para automóveis, não para carroças, bicicletas e pedestres desocupados, como deve ter pensado o motorista do Sul, que lançou os ciclistas voadores.
Ah! Já sei o que fazer. Vou deixar o carro na garagem. Vou brincar com meu neto no quintal. Jogar bola. Pular corda. Brincar de esconde-esconde.
Semana que vem é carnaval. Alegria, alegria. A festa de todos os sentidos. Depois da festa eu volto a pensar no assunto, esperando que a alegria dos salões não se transforme numa CARNAficina nas estradas.