A Cortina.
Existe uma cortina cinza no meu quarto, ela está tornando os meus dias mais escuros e de noite algumas sombras se revelam através dela. Tudo se mistura agora, o cinza das paredes transformando o desejo em uma muralha sem fim. A cortina cobre os olhos de fogo que queimam enquanto queimo as pontas dos dedos, o vento que sopra do ventilador não encontra refugio na janela e torna o ar frio como um semblante que contempla a morte e passa a vagar pelos cantos empoeirados, tocando minha pele com um leve sentido de dor. Quando o sol elétrico nasce como uma estrela em decadência no meio do meu teto prestes a desabar, acaba revelando as marcas escondidas através de um sorriso acusador, que reputa o ódio como único sentido e das palavras de amanhã todo o sentimento nobre morre entre os momentos que seguem no balançar de um rosto hipnótico dizendo palavras inaudíveis para a maioria mas trazendo a cura junto com as lágrimas. Os ondas magnéticas de tristeza desabam em cima da escuridão da cama, me afundo através dos furos das paredes em pequenas partes de mim mesmo, tentando me abrigar do refluxo nostálgico de uma noite sádica onde encontrei um rosto para sufocar enquanto os olhos brilhavam de felicidade e os lábios que se tornavam roxos me diziam silenciosamente que era hora de parar. Nada se move na tranquilidade da alma, que supostamente se senta ao lado de deus esperando o toque divino de suas mãos para abrandar o tormento das manhãs não vividas. O que será que está lá fora, se misturando com as estrelas, gritando através das buzinas dos carros, colorindo o asfalto com o sangue das vítimas numeradas em porcentagem e enterradas como indigentes? Qual o numero que o cadáver carrega, qual o próximo nome de um novo amor onde as lembranças serão esquecidas na medida em que os atos florescem em um jardim de insanidades sentimentais? A solidão marca todo mundo, a solidão está muito mais presente que o próprio sentido de sentir, os casais apaixonados se amam pela perturbadora presença do nada, a cor do medo de se estar só, tinge as coisas desconhecidas, guardadas como um tesouro longe dos olhos da realidade, encontrando no desespero do vazio o sentimento mais nobre que nunca existiu realmente. Nesse cinza todo, de parede, cortinas e céu, todas as palavras se calam, as sombras deslizam através dos momentos para acompanhar alguns pensamentos tão solitários quanto o mundo lá fora, que se une o grito de outros seres em um sorriso estrondoso, anunciando como um trovão um torrencioso sinal novo para qualquer coisa que se possa sentir.