Barriga, paixão e tosse
Já ouvi mulheres elogiarem a barriga recheada, mais especialmente, a do companheiro: “A barriga dele uso como travesseiro”. Ela cotejou tanto que pensei que gostassem muito mais de travesseiro do que da dita barriga. Já sobre a barriga da mulher, os gostos, nesse sentido, rareiam, quando não, indiferentes. Mas, há homens que dizem admirar a presença de somente alguma gordura dançando, com arte, como na dança do ventre: “Adoro a barriga da mulher árabe”. Falam, fecham os olhos e imaginam as contorsões, lentas, repentinas, num outro ritmo, contudo, tão bela como as contorções sambistas da escola, bailando no ventre da passista, engordada pelas fartas feijoadas ou cervejas e linguiças do ensaio. Pensei comigo mesmo: a mulher se sobrepõe ao relativismo cultural, internacionaliza comparações, faz os homens viajarem a um mesmo país, falando a mesma língua, presumindo-se especialistas naquela cultura, até quando o assunto é magro, mas puxa conversa, mesmo restrito à região estomacal, mas rico de tudo: humor, seriedade, pesadelos, sonhos, cirurgia e poesia.
Somente para a barriga do homem, as comparações boas e positivas não passam da do travesseiro. E ainda mais para um público de extensão diminuída, para pouquíssima gente, carinhosa, que goste de travesseiro, não muito alto, não barulhento, que sue pouco, de poucos centímetros, médio, com umbigo bem feito, sem hérnia umbilical, cheiroso, e não ronque de fome, despertando quem dorme. Se não for assim, deixa até de ser encosto. Maiores e piores exigências quando essa barriga não é comparada a uma almofada. Lembram doenças fatais, ameaças ao coração, um verdadeiro perigo carregado no ventre.
Nunca discreta, a barriga descomunal é ousada, entra e sai de qualquer ambiente primeiro do que o dono, passa na frente das autoridades, logo se pronuncia e, por primeiro, usa da palavra, seja onde for. Pior, quando toma conta do assunto, como tosse comprida, não larga a conversa para senhor ninguém. Quando parece ter saído do bate- papo, há sempre um chato que a traz de volta, ela retoma a palavra, como fosse “uma questão de ordem”: “E a barriga, quando vai baixar?” De propósito, deixa-se sem resposta, fazendo-se que ninguém ouviu. E ele, mais chato ainda, insistentemente obedece à sua pauta, passando a mão ou enfiando o dedo na bendita: “Rapaz, baixa essa barriga”. Sinceramente, fico com pena de quem tem barriga assim. Para esses obesos, os ambientes mais agradáveis são os populares, onde a gente simples não conversa essas obsessivas exigências. A propósito, comprando inhame na Feira da Torre, a vendedora confidenciava à feirante ao lado que seu companheiro andava “em cima de outra”. Perguntou a colega: “ - Certeza!?”. E, para surpresa minha, lá estava também a barriga na resposta: “Minha filha, paixão, tosse e barriga grande ninguém esconde”.