Crônica do Dia a Dia - A Mercedes
Duas e meia da tarde, o sol que já deveria estar mais brando, enviando seus raios com mais complacência sobre os cocurutos dos apressados citadinos, parecia ainda estar a pino e só de mau resolvera lascar sua luz depascente (que palavreado eim?) com tudo, sobre o primeiro que, incauto cruzasse seus caminhos. E foi o Aderson, já entupido de cachaça, destilando por todos os poros sua predileta Dandiz, que teve a infeliz idéia de sair pra fora do estabelecimento comercial do seu lourival, a mais famigerada (no sentido culto e belo) bodega da elegante Avenida Desembargador Doutor José Bastos Que loucura... Sentenciei: - Tão bonzim aqui dentro, debaixo desse ventilador de teto, e esse doido sai pra fora, assim outro bêbado toma seu tamborete preferencial no pé do balcão. Na verdade, bêbado não tem lugar preferencial, e, a bem da verdade, como todos sabem, lugar preferencial de bêbado não tem dono
- Entra pra dentro doido, o caviar vai esfriar. Berrei alto!
- Vou embora, o motorista já está chegando. Retrucou o colega de profissão... É, endoideceu. Bem, doido todo cachaceiro é de nascença, mas, àquela hora? Sob aquele escaldante sol? Quase quarenta graus? Não, não era a melhor hora para doidices nem doidivanices. Bem endoidece quem o faz à noitinha e noitinha de lua cheia, na frescurinha, entre o pé do balcão e a mesa de sinuca. Lugar santificado e seguro, afável e hospitaleiro, onde só pisa gente conhecida. Mas, o homem resolvera enlouquecer em plena tarde. Fui até a calçada: - Que estória de motorista é essa Aderson, endoidou? Aderson era um liso, não tinha nem pro moto táxi. O amigo me encarou com dois olhos em brasas, arregalados, soltando pelas ventas a fumaça dos muitos cigarros que fumara, suava, mas não como um homem normal sob um sol de meio dia, não, suava como um bicho, uma fera desconhecida, talvez de outro planeta, é isso: Um animal extra terrestre muito feio, verdadeiro chupa cabras, tenebroso, fedorento e muito, muito suado. Mas esse era seu jeito mesmo, era o velho e bom Aderson, mais conhecido entre os companheiros de copo pelo carinhoso apelido de Calunga de Maracatu, meu amigo pessoal, portanto, não estanhei. Estanhei foi quando me disse: - Estou esperando o motorista que já vem aí na Mercedes, me buscar. O pobre amigo endoidecera de fato, e em plena Avenida Desembargador Doutor José Bastos... Nesta bela Avenida perdera o que lhe restara do pouco juízo, desmanchado talvez como uma esponja que se embebe de ácido sulfúrico, ao invés de água, no seu caso, de Dandiz.
-Lai vem, lai vem! Grita o amigo ao avistar, ao longe, o saudoso Paranjana II, em direção à bucólica Parangaba. O amigo agita convulsivamente os braços em direção ao coletivo, o motorista, naturalmente, em atendimento ao sinal, freia o veículo no ponto, em frente à bodega e, gentilmente abre a porta para que Aderson entre e se acomode. O esbaforido amigo entra pela janela, já que pela porta não dava, devido a uma corriqueira contingência de somenos importância: Excesso de lotação.
Ao seguir o ônibus, pude observar em sua lataria, na parte traseira: uma bela estrela de três pontas envolta num círculo prateado, um moderno logotipo com a marca do veículo: Mercedes...