De montanhas e Monte Pilatos
Itamaury Teles
Há uma canção – “Climb every mountains” – no musical cinematográfico “Noviça Rebelde”, que nos instiga a escalar montanhas. Mas, mesmo antes de ouvi-la, já gostava de empreender aventuras por montanhas mineiras. Cercada por elas, minha terra natal foi um excelente local de aprendizado, subindo o Morro da Igrejinha, o Morro do Guará, o Morro da Caixa D’água e sonhando em escalar o Pico do Sanharol, na Serra do Espinhaço, nas cercanias da cidade.
Por atavismo, o povo montanhês, distante do litoral, talvez escale montanhas para ver ao longe, qual ondas, o mar de silhuetas rochosas que se sucedem no horizonte. Meras miragens do azul do oceano que não temos e do improvável cheiro da maresia corrosiva, na altaneira atmosfera rarefeita.
Além das aventuras juvenis em Porteirinha, subindo pequenas montanhas, contabilizo duas outras experiências extenuantes, que muito exigiram de mim. Primeiro, escalando as encostas do Pico do Itacolomy, em Ouro Preto, numa caminhada ascendente de cinco horas. Depois, os flancos da Cachoeira de Sete Quedas, em Serranópolis de Minas, após ter atravessado o belo cânion talhado a prumo no maciço da Serra do Espinhaço, antigo caminho dos tropeiros.
Ao atingir os píncaros, a sensação é indescritível. É como se premiar com paisagens deslumbrantes, onde o vento sopra sem obstáculos e a quietude do som do silêncio incomoda nossos ouvidos acostumados com o ruído característico das cidades movidas a barulhentos automóveis. É sentir-se, literalmente, mais próximo de Deus...
Ano passado, voltei à Suíça, depois de havê-la conhecido havia mais de 20 anos. Na primeira vez, acometido por forte gripe, não pude visitar o Pico Titlis, de 3040 metros de altitude, nos Alpes. Desta vez, estando em Zurique, a 45 minutos de Lucerna, não deixei pra depois. Fui conhecê-lo, já que fica próximo dessa cidade. Após rápida viagem de ônibus, iniciamos a subida em teleféricos para quatro pessoas, até a terceira estação. Daí para cima, no primeiro teleférico giratório do mundo. Ele vai subindo e girando, para propiciar visão de 360 graus a todos os mais de 50 passageiros – a maioria composta por ruidosos turistas chineses e suas indefectíveis câmeras digitais, registrando tudo...
No cume, há uma enorme estação climatizada, com vários andares. Do último, acessa-se um grande pátio – “Glacier Park” – coberto de neve eterna. No dia da nossa visita, as condições metereológicas não eram muito satisfatórias. Nevava e ventava muito, com os termômetros registrando temperatura inferior a 3 graus negativos, e sensação térmica de – 15º. C, razão pela qual suspenderam o passeio de “Ice Flyer” – um teleférico individual – que dava a volta no topo do pico. Restou-nos apenas aventurar uma caminhada pela neve, mas não conseguimos permanecer mais que 10 minutos. Pareceu-me que o meu cérebro estava congelando e fui acometido de forte dor de cabeça. Voltei, incontinenti, para o abrigo e fui tomar um chocolate quente...
No dia seguinte, fui ao Monte Pilatos, também próximo a Lucerna. Este, de menor altitude: 2.132 metros. No alto, há restaurantes e túneis na montanha rochosa, que permitem sejam contemplados os quatro pontos cardeais. Por meio de pequenos mirantes e escadas esculpidas no interior da montanha e, às vezes, na parte exterior – tendo o abismo como perigoso vizinho – vão-se descortinando cenários belíssimos, com picos nevados, vales verdejantes e múltiplos lagos. Comenta-se que, na Suíça, haja um lago a cada 16 quilômetros.
Como sou muito curioso, indaguei à guia que nos acompanhava o porquê do nome daquele pico. E ela revelou-me história bastante interessante. O nome homenageia o governador romano Pôncio Pilatos – que condenou Cristo a morrer crucificado – cujo corpo está ali enterrado. Reza a lenda que seus restos mortais foram trasladados várias vezes, pois uma maldição sempre rondava os lugares onde eram enterrados, advindo terríveis secas e pestes. Ali, no alto dos Alpes, foi o único lugar onde sua alma pode descansar...