MAIS LIXO
A VIDA NÃO É MAIS A MESMA...
Não conto as pessoas que falam para eu assistir o filme Lixo Extraordinário, inclusive a minha professora de Fotografia. Falo que vi e é imperdível. O filme sensibiliza, choca, enternece, faz a gente perceber que ainda há pessoas com grandeza de espírito, como o artista plástico Vik Muniz.
Das coisas que ainda me vem à mente: as pessoas quando querem e, por vezes, com uma ajuda do destino, conseguem mudar, como o caso dos catadores de lixo que, aleatoriamente, foram escolhidos para terem suas vidas contadas e se tornarem obra de arte.
Recordo de uma garotinha que tentei criar; já tinha meus três filhos. Fui procurar empregada e me deparei com uma pequena de uns 7 anos , sendo escravizada pela tia e o marido. Pedi a garota, trouxe-a para minha casa e ao começar as providências para a guarda da criança, senti que estava sendo constantemente explorada pela tia e companheiro. Trouxe a garota sem consultar Dídimo e, por não ter sido planejado, não recebi, inicialmente, apoio. Mas ele foi se apegando e a pequena já estava fazendo parte da família. Com dor no coração coloquei a razão acima da emoção e fiz a devolução, após um mês . Sei que a menina não foi mais a mesma depois de ter conhecido uma vida de sossego e carinho.
O livro de Gustave Flaubert, "Madame Bovary", tema de inúmeras teses, por penetrar com sensibilidade na análise psicológica de sua personagem, mostrando as aflições, as desilusões e como a mente da Senhora Bovary processava suas dificuldades, revela como uma viagem feita a Vaubyessard "fizera buraco em sua vida, à maneira daquelas grandes fissuras que uma tempestade, em uma só noite, provoca nas montanhas".
Os personagens do filme de Vik não foram mais os mesmos. As pessoas, após conhecerem uma nova vida, rejeitam retornar à vida anterior.
Registro a fala do Tião, presidente da Associação dos catadores, no Museu de Arte de Londres. Ficou intrigado com obras de arte que não conseguia entender e Vik lhe diz que uma obra de arte não precisa ser, necessariamente, compreendida; é suficiente admirar. Cada um dá a interpretação que lhe tocar. Claro que não foram palavras textuais, mas entendi assim.
Volto à vida dos catadores mostrada e me lembro de Seu Eraldo, um senhor que era um "clínico geral" em fazer de tudo um pouco: pintava, murava, cortava árvore e outras proezas, sempre com muita força física e boa vontade. Serviu à minha família por muito tempo, indo depois trabalhar no Hospital José Carneiro, fazendo "bico" e, nas horas vagas, trabalhava no que aparecesse nas casas dos médicos do Hospital. Um dia ele me falou que era pobre, mas que havia ficado chocado com o que viu no Lixão que ficava em Mangabeiras, um bairro de Maceió. ”A pior cena foi ver gente misturada com os urubus na disputa pelo lixo que era jogado pelos caminhões”, falou-me ele. Vendo as cenas do filme fiz associação e vi o quanto é mesmo deprimente. Não faz muito tempo escutei na TV Gazeta o Presidente da Companhia de tratamento do Lixo comentar que já se faz reciclagem em Maceió. Sei que em algum estabelecimento comercial se recolhe pilhas, lâmpadas fluorescentes etc. Desconheço prédios que fazem a separação do lixo e, se há, como se dá o recolhimento? Sei que há alguns pontos de coleta, mas quem se dispõe a sair de casa para levar o lixo reciclável lá? Poderá fazer uma ou duas vezes, depois se acomoda e desiste. Em Belo Horizonte o material que é reciclado é colocado, em um dia da semana, na porta para ser recolhido. Por que aqui não imita algo tão bom? O meio ambiente e as pessoas agradeceriam. Políticos deveriam assistir o filme "Lixo Extraordinário" para se sensibilizarem. Esqueço que a maioria é insensível à agressão ao meio ambiente, às ações sociais para melhorar a qualidade de vida de quem tem profissão de alto risco para a saúde, como é o caso dos catadores de lixo. Às vezes sinto minha esperança de ver um mundo melhor por um fio.