Os ossinhos da mamãe

No trajeto de moto, passei pelo cemitério e notei algumas pessoas à espera do cadáver de algum parente e reverenciá-lo no velório.

Reduzi a marcha e, lentamente, avaliei os rostos sofridos na despedida do ente querido à sua eterna morada: o chão frio de uma cova úmida.

Era o que meditava ao virar a curva da garagem Amparo e seguir o retão, analisando como nós humanos valorizamos as aparências, em contraste ao afeto espiritual.

Na sequência do raciocínio, lembrei a conversa com minha vizinha, dona Carina, preocupada com a ossada de sua querida mãe.

Contou sua mágoa com a irmã, indiferente ao destino dos ossinhos de sua “mamy”, retirados do cemitério São João Batista, no Rio, por exaurir o prazo de ocupação.

Aflita com o despejo, comentou em comprar um nicho e reter o que restara dela, mas no Rio, mesmo dividido pelas duas, sairia muito caro.

Como solução, pensou em transferi-la para Maricá e se lembrou das vagas no cemitério, depois que o ex-prefeito Ricardo Queiroz retirou as ossadas dos antigos sepulcros e jogou tudo no lixão.

Em princípio lembrou horrorizada, mas como ele não seria mais prefeito, respirou aliviada e resolveu passar na funerária, orçar o valor da charola. Entrou, cumprimentou o homem de preto e sentiu arrepio com o seu olhar indiscreto, medindo-a dos pés a cabeça.

- Algum caixão do seu agrado? Perguntou o homem friamente.

- Não... Não... Obrigado! Estou bem de saúde, graças a Deus!

- Ah sim, que pena... Então o que a senhora deseja?

Por um momento Carina pensou em sair correndo, mas algo a deteve, não podia continuar tão medrosa como sempre fora; desde criança sentia medo de coveiro e ainda não sabia distinguir o agente funerário do homem da cova.

- Desculpe... Apenas curiosidade em saber qual o preço de um nicho para minha mãe.

- Minha senhora... Disse o agente um pouco agastado - Aqui não é cemitério, não vendo nicho e sim caixão, coroas de flores, providencio funeral e a produção visual do morto, além de maquiá-lo, dou-lhe a expressão facial de alegre, sereno ou triste, a gosto do cliente!

- Me desculpe senhor... Foi erro de avaliação, mas onde posso saber?

- No cemitério dona... Lá é o lugar de cova e nicho. Aqui é uma agencia funerária e por sinal, a mais requintada da cidade.

- Ah sim... Respondeu automaticamente, com o pensamento no campo-santo.

- O senhor tem o número do telefone de lá? Ela perguntou por achar mais cômodo e evitar aquele lugar sinistro.

- Ter eu tenho... Disse o agente - só que a linha foi cortada por falta de pagamento!

- Falta de pagamento, como? Perguntou incrédula

- Sim... Falta de pagamento! O prefeito simplesmente não pagou a conta por entender que cemitério não precisa de telefone.

- Como não precisa? Quer dizer que tenho que ir até lá para saber o preço do nicho?

- Sim senhora! Disse o agente dando-lhe as costas em direção ao balcão.

Dona Carina ficou mobilizada, sentiu o calor da menopausa lhe queimar o rosto e protestou:

Mas por que ele fez isso?

O agente lá dos fundos, com a voz pouco audível, respondeu:

- Simplesmente porque o prefeito descobriu várias ligações fantasmas e depois, ele acha que se defunto deseja se comunicar, que procure um centro espírita!

walter monteiro
Enviado por walter monteiro em 27/02/2011
Código do texto: T2818598
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