OS DIAS DO APOSENTADO
Luiz Celso de Matos
— Oi, Betão 2011!
— Olá Luizão! Feliz Dia do Aposentado!
— Obrigado, meu caro! É, agora temos um dia de velho num ano novo. Falando em novo, alguma novidade no front?
— Você fala da nossa famosa Lei? Tá para estourar.
— Mesmo? Pois é rapaz! Eu e mais alguns colegas, cantamos com o ovo saindo da zona pudica da galinha e estouramos toda a reserva financeira nas festas de final de ano. Presente prá todo mundo: filhos, netos, noras, esposa, ex-esposas, síndico, zelador e por aí afora.
Para os brotinhos também?
— Que brotinhos? Quando entro em algum coletivo e observo alguma jovem me olhando, imediatamente, aliso o bigode, e tento imitar o olhar “abate lebre nova” do Clark Gable, tiro os óculos escuros e olho para a menina com um sorriso maroto no canto da boca e não dá outra. Ouço a maldita frase que sinaliza minha condição de matusalém: “o senhor gostaria de sentar aqui?” Tá certo que às vezes algumas se insinuam, principalmente, quando pinto os cabelos. A semana passada estava entrando num banco para ver se tinha restado algum trocado, até o dia do pagamento, foi quando uma linda garota de uns trinta e cinco anos, mini-saia, entrou na fila dos caixas, imediatamente também entrei na mesma fila. Em pouco tempo ela olhou-me sorrindo e disse:
— O senhor não utiliza a fila dos idosos?
— Você sabe em que lugar eu tive vontade de mandá-la, não é? Porém, calei-me. Puxei papo e resolvi mentir, para impressionar. Falei das minhas “experiências como comandante de navio” — semana passada havia lido um livro sobre um comandante de navio de turismo. Sabia tudo a respeito.
— Uau! o senhor foi comandante de transatlântico?
— Só por vinte e dois anos. — respondi expressando certa indiferença pelos anos de trabalho, mas sentindo que tinha capturado a presa, era só abater e comer.
— Nossa! e com essa sua pinta o senhor deveria, certamente, agradar muito o público feminino, nas noites de jantar com o comandante.
— Boquiaberto só pude responder: Hã? — distraído, eu estava de olho fixo no decote da jovem que exibia, exuberantemente, seus lindos seios. Ela me pegou no flagra. Desagradável!
— O senhor ficou vermelho! Ficou até mais bonito. Aliás, o senhor deveria fazer um teste na televisão.
Eu estava perplexo e apavorado. Depois dos sessenta, isto acontece uma vez antes da morte. Aquele avião pronto para decolar e eu sem condições nem mesmo de efetuar o chek in. Sim, não sabia ao certo quanto teria na conta corrente... Quanto estaria custando um Viagra? ...Onde poderia arrumar duzentão, até o dia do pagamento?... Quanto estariam cobrando um apê no motel? Comecei a suar frio.
— Eu artista de televisão?
— Sim! o senhor lembra aquele famoso galã dos anos cinquenta, que minha avó me mostrou na revista “Rainha do Rádio”. Ela tem verdadeira paixão por essas revistas. Adorava Marlene, Emilinha Borba... Deus nos livre de alguém mexer nas suas revistas. Ela guarda a sete chaves, com o maior carinho. O senhor é saudosista também?
— Sim! Mas, você ta me gozando. Galã dos anos cinqüenta?
— Verdade... não me lembro bem o nome, só sei que ele fazia filmes para o cinema. Ma...Mário, não era. Era alguma coisa como... ah sim! tinha dois zes no nome.
— Mário Zan?
— Não, não era este o nome.
—... Mazzaropi?
— Isto Mazzaropi! Mazzaropi era um galã, não era?.
— Betão, nesta hora minha autoestima fez um buraco no chão e foi parar na terra do sol nascente. Pô, quando ela disse que eu parecia galã dos anos cinqüenta, pensei num Paulo Gracindo, Paulo Autran, ou algum Antonio Fagundes da vida. Mas, Mazzaropi? ...Foi frustrador. Mas, até aí tudo bem. O meu fabuloso programa da tarde só veio a acabar, quando ela incautamente, derrubou um livro que tinha na mão. Eu, como um verdadeiro cavalheiro, inventei de abaixar para apanhá-lo. Só que esqueci as recomendações do meu ortopedista, para que quando me abaixasse, o fizesse de uma forma bem vagarosa. Enquanto o livro descia, eu mais que depressa, inventei de pegá-lo na altura dos joelhos desnudos da jovem.
— Só escutei a frase dela: “uau! que reflexo — você parece um garotão!”. Ouvi esta frase, e mais dois sons. Um som abafado da região da minha coluna que travou no ato, e o som estridente de um prolongado peido que sinalizava minha intensa dor no costado. E quem disse que eu conseguia endireitar o corpo. Arcado, tentava me endireitar e peidava. Tentava, e novamente peidava. Pô Beto, o pior, que há pouco tinha almoçado num restaurante alemão. Imagina o odor? A jovem vendo que a situação não reverteria, tirou os dois dedos que apertavam suas narinas, apanhou o celular e discou para o Siate. Fim de um provável romance... Você ta rindo por que não foi com você.
— Mas fala a verdade, aposentado é melhor não é? Não faz nada o dia inteiro. Você tem plano de saúde não tem? Paga aluguel?
— Pago aluguel, luz, água, telefone, IPVA, IPTU e os IPQosPÊ... E se dependesse do SUS meu endereço seria o de algum cemitério da urbe.
Mas tenho uma programação diária. De manhã, bate papo com amigos no banco da esperança.
— Banco da esperança?
— Sim, todo dia nos encontramos nesse banco, na esperança que alguém tenha alguma novidade de melhoras do salário. E apesar da descrença da maioria, aproveitamos também para cultuar a imagem da beata Isonomia, que está para ser canonizada nos próximos meses. Daí, só quero ainda estar vivo para poder exclamar com toda a força desse pulmão enfisematoso: “SANTA ISONOMIA, COBRAI POR NÓS!”
As RPMs (rotações por minutos) dos velhos são muito mais rápidas. Nosso tempo é curtíssimo. Seria bom se recebêssemos o que nos é devido; nossos credores exultariam.
Continuando, à tarde aquela sesta de lei, após, um banho, e daí parto para consultas médicas, onde apanho um monte de receitas para compras de remédio, pedidos de exames de radiografia, cintilografia, e outras “fias” mais.
— Algum problema de saúde?
— Nãããããoo! exceto Hipertensão, Diabetes, aneurismas, Efizema Pulmonar, dentaduras frouxas, pipi fora do vaso; só mais uns probleminhas corriqueiros, mas, tá tudo bem. A noite, assisto com minha comadre, a novela das 18h, 19h e 20h, depois, noticiários. Lá pelas 23h, tomo um leitinho quente e vou dormir.
Se a artilharia não estiver com muita munição, durmo na cama, senão, a dona da casa me manda para o colchonete do escritório...
— Um exame eu sei que você não fez?
— Qual? — O prostático?...Já fiz. Só que levei meu três oitão prateado para o caso de eu gostar do exame. Pô, rapaz, o médico além de ser candidato a TV Globo, tinha uns dedões super avantajados. Pensei cá com meus botões, se depois desse exame de toque eu pedir o número do celular ou uma foto do médico, meto uma bala no ouvido.
É isso aí, Betão, o que você ouviu é o alegre dia-a-dia de um individuo aposentado, sessentão, faixa etária que algum babaca de plantão, apelidou da “MELHOR IDADE”. Argh!
segunda-feira, 24de janeiro de 2011