Seu Antônio e a filha Rosa na farmácia.
 
Eu estava na farmácia do meu primo sentada no banco e conversando “fiado” com ele, para passar o tempo, pois nessa minúscula cidade do interior o tempo não passa , era um marasmo só.
Chegou um homem acompanhado de uma mocinha de mais ou menos uns quatorze anos.
Como acontece com pessoas simples, ele entrou primeiro e ela acanhada o seguiu, era uma mocinha bem bonita, mas só olhava para o chão, não consegui ver seus olhos.
Ambos com roupas bem simples e limpas, chinelos de dedo. Ela com um vestidinho do tempo do “êpa”, já meio apertado no busto, andava com as costas meio curvas para disfarçar os seios. Ele usava um chapéu de palha encardido e tinha um bigode enorme que mais parecia uma vassoura de pêlos, poucos dentes e um cheiro de cigarro de palha de matar mosquitos a cem metros de distância, devia ter acabado de queimar um “paiero”!
Meu primo se levantou e foi atendê-los.
Escutei um diálogo digno dos filmes de Fellini, Bergman ou até de Almodóvar...
-Boa tarde Seu Antônio, como vai o senhor?
-Vô bem, Seu Jão,mas o sinhô percisa me judá, num sei nem cumu começá.
-Calma. Mas primeiro me diga como está dona Joana, sarou da erisipela com o remédio que eu dei?
-A muié tá boa, cumu sempre mei perrengue, diz que dói a espinhela, tómem depoi de deis fio e trabaiá na roça a coitada tá que é só o pó da gaita!
- E a filha que casou ano passado a Lourdes, já teve filho? Ela é uma moça muito bonita e o marido muito simpático.
-Ainda não emprenho não sinhô, mai logo acho que vai tê um ranhentinho pra nóis vê.
- Mas diga lá seu Antonio, o que está acontecendo.
-Sabe seu Jão, fico sem jeito di fala mai essa minha fia ta sintino umas coisa isquisita, tem hora quéla fica vermeia e cumeça tremê, quiria qui o sinhô dessi um remedi prá morde dela carmá, a muié deu chá prela mai nun diantô di nada!
- Que idade ela tem?
-Acho qui uns treze.
Se voltando para filha perguntou;
-Fia cum quanto anu ocê tá?
Ela respondeu baixinho, quase não se ouvia sua voz.
-Quinze, pai.
-Quinze seu Jão.
-Ela já ficou “mocinha”?
- Num sei não.Fia ocê já sangrô?
Ela muito vermelha respondeu mais baixo ainda:
-Já pai.
-Intão seu Jão, dá um remidi pra ela, acho que tá cum iscandecência, i muita dô di cabeça, eu tenho pra mim que tá na hora dela pô cum omi, já tá na idade di casa, mai ainda num apareceu ninguém, ela percisa duma coisa pra carmá ela.
Meu primo chamou a moça e perguntou;
 -Rosa, quando você sangra, sente dor?
Ela balançou a cabeça afirmativamente, e se encolheu mais ainda.
-Vou te dar um remédio que vai resolver isso, toma um quando tiver dor, pode tomar até três por dia que não faz mal. Você não vai mais sentir nenhuma dor, se não resolver você volta aqui nem que seja sozinha.
- U pai nun dexa, mas eu vorto qüele. Brigado.
O pai enfiou a mão no bolso tirou umas notas manchadas de barro e perguntou quanto devia.
-Quanto qui é o cusprimido qui o sinhô deu prela?
-Nada não seu Antonio.
-Cumo nada?
-Isso é amostra que os moços do laboratório me dão de graça.
-Seno assim intão tá bão. Brigado, te mais seu Jão, vamu Rosa. Té logo moça.
Até eu recebi um até logo com direito a um aceno com o chapéu!
Saíram como entraram, ele na frente ela atrás.
Olhei para meu primo que estava rindo de mim, eu estava apatetada! Meu Deus como é possível ainda existir gente assim, tão fora do mundo, com conceitos tão estanhos.
Quem parece um alienígena, eles ou eu?
Fiquei chocada com o palavreado dele...
Depois pensando bem, entendi!
Esse é o mundo que ele conhece, o da natureza animal, como considera gente animal, nem duvida que sua finalidade neste mundo é a reprodução.
Quando o corpo dá sinais de que está formado e apto para sua função está na hora de acasalar e pronto!
Nada mais simples e mais normal...
Fechei a boca que permanecia aberta de espanto, e me recolhi na minha pequenez de quem acha a vida complicada ou faz dela um cavalo de batalha!
Queria trocar a minha cabeça cheia de “tranqueira”(como diria ele) pela cabecinha de Seu Antonio, pensar e agir como ele nem que fosse só por um minuto...
Mas é melhor não arriscar, sou bem capaz de nunca mais querer sair de lá e nem de desfazer a troca!
 
M.H.P.M.