O papagaio que detonou a ponte
A madame mudou de casa para um apartamento. Sozinha, precisava ter mais segurança. Mandou papagaio de estimação para a casa da mãe (dela). Lá, o bichinho encontrou novas amizades, compreendeu que o mundo não se resumia à salinha onde vivia isolado, com medo dos fiscais do Ibama. A madame ficou numa tristeza de dar pena. As penas do papagaio rejuvenesceram com os novos ares, esqueceu logo da madame e seus carinhos habituais. Arrumou um amigo que o leva a passear pelas ruas do bairro tranquilo. Já adiciona novas palavras ao seu curto vocabulário. Olvidou o velho estilo de vida.
Foi duro, mas a antiga dona aprendeu a arte do amor possível. O papagaio compreendeu que é necessário, na vida, detonar pontes. A escola do sofrimento e da maturidade ensinou isso aos antigos amigos inseparáveis.
Chega um certo momento em que você deve atravessar a ponte pela última vez. Determinado o ponto preciso onde instalar os explosivos, fazer explodir a ponte e seguir em frente, por mais cruel que seja o ato. É necessário não deixar nenhuma possibilidade de regresso. Apenas uma ligeira lembrança, como os clarões rápidos da memória dos esclerosados.
O papagaio detonou a ponte e seguiu sua vidinha de papagaio. A madame, vez por outra ainda chora a saudade do bichinho. Da antiga afeição, não restou nem um espaço para uma visita de vez em quando. Não existe mais ponte. Com a explosão, os pontos cardeais da bússola dos afetos ficaram confusos. Jamais apontarão para nenhum norte do outro lado do rio, agora sem ponte.
Ao romper com o antigo modo de viver, a gente está escolhendo um caminho sem volta. Não se faz revolução sem queimar as pontes. E também não se contesta e invalida uma vida toda por qualquer motivo. Eu não ando satisfeito com minha vidinha besta, mas tem o tempo de plantar e o tempo de colher. Infelizmente, não dá para inverter a ordem natural da vida. Meu roçado já produziu e hoje está no remanso da entressafra. Certo que tudo é por um triz, por isso, não se deve esperar o amanhã para fazer o que se gosta. Se queres mudar tudo, tens que queimar as pontes. É hora de calcular o custo-benefício da bem-aventurança de mudar de vida e o sofrimento, a amargura da transformação radical de uma existência.
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