Ode ao Preconceito

Gente que fala alto em metrô e ônibus. Gente que fala alto no celular em metrô e ônibus. Gente que liga o celular no alto falante em metrô e ônibus. Gente que está do seu lado e abre a janela do ônibus e dá uma escarrada homérica - sim, aquela escarrada que antes de ser expelida foi sendo engendrada ao seu lado; aquele barulho do catarro rolando na garganta, aquela rouquidão, aquele eco das cavernas do pulmão do nojento que está ao seu lado revirando o seu estômago. Gente que abre a janela do ônibus pra jogar na rua a latinha de refrigerante, a garrafinha de suco, o espetinho do churrasco, o saco de salgadinho de queijo fedorento, a fralda do filho ranhento. Gente que senta pra comer hot dog ao lado da lixeira mas joga o guardanapo na rua. Mulheres que a única coisa que têm pra oferecer é uma abertura de pernas e nem com isso se saem bem. Gente - universitários!!! - que escreve(m) que nem retardado mental. Marmanjo com tênis de quatrocentos Reais no pé pedindo pra passar por baixo da catraca do ônibus. Gente que arrasta criança de colo única e exclusivamente pra não pegar fila em bancos, supermercados. Gente paranóica e insegura e incapacitada que se acha a porra do centro do mundo e chama todo mundo de invejoso. Homens que batem na mulher dentro de um boteco e saem arrastando a infeliz pelos cabelos. Motorista que afunda a mão na buzina. Marmanjo que assim que faz a inscrição na academia, renova todo o guarda-roupa com camisetas oitenta números menores (?) só pra ficar "mais forte". Menininhas abastadas que só faltam mostrar o cu em vestidinhos curtíssimos e ainda acham ruim quando os homens olham. Menininhas que tem meia dúzia de pentelhinhos na bucetinha e sopram fumaça de cigarro ao seu lado. Gente que escreve "agente". Gente com quem você está se relacionando e que em toda e qualquer oportunidade possível faz a mínima analogia que seja a algum momento com um EX. Gente que vem com um pedaço de papel de igreja de fundo de quintal em mãos impingindo um deus sem sequer saber se você acredita nele. Vileiros que acham bonito ir atrás de mocinhas transeuntes jogando seu charme dispensável. Vileiros que abrem o porta-malas do carro e distribuem aos céus todos os decibéis possíveis do pior péssimo mau gosto musical que é racionalmente concebível. Outro dia observei uma discussão acerca de preconceitos. Todos temos preconceitos. Ao ler a discussão, uma resposta me chamou atenção: preconceito de gente POBRE DE ALMA. A princípio me identifiquei, já trazendo à mente algumas das coisas que descrevi acima. Gente que não lava a mão depois de usar o banheiro. Gente que senta na calçada do Safra (esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta) e se embebeda com vodka sem vergonha e faz de tudo pra ser o centro das atenções. Eu gosto de reclamar. Eu gosto mesmo de reclamar. Eu nunca vi alguém que gostasse tanto do próprio mau humor quanto eu gosto do meu. Fiquei recluso. Foi meu recorde nos últimos oito anos: UMA semana sem pegar ônibus. Confesso que já tinha esquecido o que é reclamar com gosto. Vamos lá, esse é um arroubo catártico. Somos iguais em essência, em matéria. Mesmos terminais nervosos, mesmos órgãos, mesmas vias respiratórias, um anel corrugado por onde expelimos o que nosso corpo não pôde aproveitar. Por que eu tenho que me sentir mal perto de um cara que usa camisetinha rosa com bordado de jacaré que está acompanhado de uma dona que eu não teria chance nem nos meus sonhos mais espalhafatosos? Porque sou pobre. Por que que eu tenho que me sentir superior ao ver esse mesmo cidadão jogando um copo de 500ml na valeta à apenas cinco metros de uma lixeira atada a um poste e observar a tal dona corroborando com tal atitude vil? Porque, senhores, não sei se feliz ou infelizmente, eu tenho a porra de uma alma de rico. EU TENHO UMA ALMA DE RICO. Porque eu estar aqui reclamando, soltando em rede mundial as vísceras desse mau humor, expondo esse tumor cheio de pus dos meus pensamentos PRECONCEITUOSOS, senhores, eu faço menos mal pra qualquer ser do PLANETA do que qualquer exemplo que eu citei acima o faz. Vocês têm a opção de não encontrar este texto. Vocês têm a opção de não LER este texto. Que farão os que se depararem com estas palavras e vestirem a carapuça? Você optou por ler, amigo. Oras! A maioria esmagadora das coisas pela qual eu nutro perpétuo DESPREZO me são jogadas na cara sem que eu dê permissão para essa corja de mal-educados. Sabem o que eu tenho vontade de fazer quando sou submetido aos prazeres (meus desprazeres) dessa cambadinha? Tenho vontade de amarrá-los todos em praça pública e atear fogo. Tenho vontade de vê-los sendo empalados por um poste. Tenho vontade de que cada motoqueiro que estoura propositalmente o escapamento da moto acorde com um caramuru treze tiros com o pavio aceso socado no cu. C'mon, amigos! É meu momento. Estou totalmente INSUFLADO com essa merda toda que entrou em mim via tímpanos, via retina. Via crucis, eu diria. Vontade de molhar uma toalha, torcê-la e enfiá-la goela adentro (redundância?) - mas bem dentro, bem dentro MESMO, até o estômago - de quem fala escandalosa e desnecessariamente alto e fazer com que a toalha se desenrole e traga pra fora as vísceras de um ser filha da puta e POBRE DE ALMA. Bom, é isso, porque cheguei em um ponto em que sou capaz de ficar dissertando por horas a fio sem conclusão alguma sobre toda essa escrotidão humana. Beijos no seu coração.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 26/02/2011
Reeditado em 26/02/2011
Código do texto: T2815511
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