O CORTEJO DOS MACHÕES
Em Pasárgada, a vida, em final de temporada de veraneio, volta ao natural andamento – plácido e modorrento. Como toda cidadezinha praiana, tudo devagar, quase parando... Eu e meus três gatos a se olharem, por conta do peitoril da janela do chalé. O quadro, de tão pictórico e prosaico, é de sorrir à toa... Chuva lá fora e as rãs a coaxar no terreno baldio de defronte, em que o verde viço das ramas e o capinzal impressionam... Os cães correndo em tropilha atrás de uma cadela no cio, que se defende como pode. Deita-se e ladra, denunciando o cortejo dos varões, que a mordiscam e a molestam sob todos os lados e em tão peculiares locais... Comparando com os jogos eróticos humanos, é quase inimaginável que possa vir a ter prazer no eventual coito... Porém, a natureza nos mostra como a vida, por vezes, corre à revelia do que pensamos ou queremos – aparentemente – aos olhos do humano observador, que, por e para tudo o que lhe perpassa, imagina ter de haver finalidade ou utilidade... (A inquietação é o natural estado do poeta... Fora disso, é porque está arquitetando algo: um poço calado, por fora, por dentro um vulcão, sempre cuspindo fogo...) Aliás, bem similar ao que ocorre com a tal cadela corrida, que acaba de sair em desabalada carreira rua afora, seguida pelo cortejo dos machões, quase todos com meio palmo de língua de fora e tesos de paixão gozosa... O relato vem num cochicho, só ao olhar pra fora, nesse lusco-fusco de fim de tarde de grilos, cigarras, pirilampos e sapos-tenores, num estridente serão musical de aldeia, quando os bicos de luz, na rua e nas casas, começam a pontilhar nas pestanas da noite, antevéspera do carnaval. O chalé é também o algibe dos humores, do qual, de dentro, se olha pro céu e se implora estrelas nuas. E elas, imediatamente, se põem a cirandar o samba-enredo na imensidão do firmamento...
– Do livro inédito O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/11.
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2815470