Histórias alheias

HISTÓRIAS ALHEIAS

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 26.01.11)

Ao topar com uma referência a Emanuel Swedenborg no livro "Não Mais", de Czesław Miłosz, dois nomes saltam à mente: Péricles Prade e Jorge Luis Borges, os quais, de maneira direta ou indireta, citam o cientista sueco nascido em 1688 (e morto em 1772); Prade em "Correspondências - Narrativas Mínimas", Borges em "História Universal da Infâmia".

Com reputação consolidada na Europa por suas obras de álgebra, geologia, mineralogia, astronomia, fisiologia, física, "etc.", não era estranho a Swedenborg o fato de que a Natureza podia ser explicada e compreendida a partir de um conjunto de equações matemáticas. O que o incomodava de maneira crescente era a convicção angustiante de que essa Natureza "lógica" começava a tomar o lugar de Deus na imaginação das pessoas instruídas. Com o avanço das ciências, a universalização e a popularização da instrução, Deus corria risco cada vez maior e "o próprio cristianismo estava entrando, em sua opinião, numa fase de declínio definitivo", conta Miłosz. A fé religiosa, embora ainda habitasse sua boca, já havia sido expulsa do coração dos homens pelo Século da Razão.

Então, aos 55 anos, Swedenborg tem uma visão em que um anjo lhe aparece fazendo-lhe revelações profundas. "Ao despertar", relata Álvaro Cardoso Gomes, "passou por um longo período em estado catatônico e, só depois disso, é que começou a divulgar a nova doutrina, a partir das revelações e do que ele próprio viu em seus sonhos místicos." Henryk Siewierski e Marcelo Paiva de Souza jogam um pouco mais de luz sobre esse transe: "Swedenborg proclamava ter recebido de Deus o dom de ingressar em vida no reino dos espíritos, e ao longo de quase 30 anos, dia a dia, sem deixar este mundo, visitou o outro." Tais viagens são narradas em sua importante obra "Arcana Cœlestia".

Borges, no livro citado, reconta uma dessas visitas sob o título "Um teólogo na morte": Melanchton, o teólogo, morreu e recebeu no outro mundo uma casa igual à que tinha na Terra. Assim, ao acordar, "reatou suas tarefas literárias como se não fosse um morto". Por desmerecer o céu, pois argumentava em seus escritos que à salvação da alma bastava a fé, dispensando a caridade, "os móveis começaram a se encantar até se tornarem invisíveis". Aos poucos, também sua casa e suas roupas foram se deteriorando, o que lhe revelava seu destino eterno.

Acabou "como que um criado dos demônios".

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior.

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