O aconchego do lar

Adoro voltar para casa. Amo a minha casa. Pode ser pequena e solitária, mas é o meu lugar. Eu fico doente se não puder ficar um dia inteiro na minha casa. É meu refúgio, meu repositório de energias: onde oro, leio, escrevo, penso.

Já contei em outro texto como era a casa onde cresci. Fica na “Avenida das vivendas”, o mesmo que “moradas”. Eu não gostava de lá não. Mas era a minha casa. Era para onde eu voltava depois de qualquer outro lugar. Foi onde determinei vencer na vida com base nas coisas ruins que havia lá. Foi onde decidi ter um bom relacionamento com a minha família, depois de viver muitas amarguras.

Nas minhas andanças, já morei em muitas casas, apartamentos, “apertamentos”, kitnets. Cheguei até a escrever um livro – “Pássaros” – inspirado na última casa em que vivi em São Carlos. Era uma casa simples, mas feliz, cheinha de passarinhos todas as manhãs.

No dia em que retornei da Espanha, peguei um taxi na casa da Pat, onde morei durante meus últimos 15 dias, rumo à rodoviária. Ela e o Koichi, meu irmãozinho canadense, foram comigo até Madri, se despedirem. Lá encontrei também o Juan Ito, que me proporcionou oportunidade de lutar e viver meu treinamento na Europa.

Eu e a Pat nos sentamos no banco traseiro do carro. Ela apertou a minha mão. E então o taxi foi passando perto de todas as casas onde morei em Valência – os primeiros dias na casa do Maike, a temporada no apartamento da Amparo, a república próximo da Avenida Blasco Ibáñez e também a Universidade Politécnica, que não deixa de ser uma morada.

Quando fico em casa, me curo de muitos males: físicos, emocionais, mentais, espirituais. É onde organizo minhas coisas, meus sentimentos e meus pensamentos. É onde tenho um tempo só para mim.

Na USP em São Carlos, onde também vivi muitas emoções, eu costumava ficar observando a paisagem da janela do laboratório de Pesquisa Operacional, principalmente quando estava cansado do trabalho. A brisa suave refrescava os pensamentos e as emoções. Via pessoas passando, árvores balançando, luzes se acendendo e apagando nos prédios. Era uma paisagem urbana cheia de significados.

Lembrei disso porque gosto de olhar a paisagem da sacada do prédio onde eu moro. Vejo ao longe as casas, as pessoas, os carros, as árvores, a fumacinha das fábricas e o vasto céu catalano.

Gosto de janelas. Já escrevi que as janelas exprimem mais a sensação de liberdade do que as portas. As janelas mostram horizontes por onde o pensamento pode voar longe. Ao mesmo tempo, permitem que o ar puro e fresco adentre a nossa alma. Um escritor disse que “os olhos são as janelas da alma”.

Atualmente moro em um apartamento que possuem janelas em três faces do prédio. Em uma, há as janelas dos quartos; na outra, as da cozinha, da área de serviço e do banheiro; e na terceira, a sacada da sala.

Muitos amigos já me disseram que “acompanharam” o que eu estava fazendo em determinado dia: “vi a hora que você chegou em casa”; “você ficou um bom tempo no banheiro”; “a luz do seu quarto ficou acesa até tarde”; “do meu trabalho, vi você passando na janela da cozinha”; “no final de semana passado você não estava em casa”. Morar em apartamento e em cidade pequena é assim... Quase um Big-Brother-Brasil da vida real.

Não tem problema. Ninguém sabe “exatamente” o que faço dentro da minha casa. Podem especular, deduzir, mas ver, ninguém vê não. Afinal também, o que faço ou deveria fazer na minha casa, é problema só meu.

Na minha casa sou feliz, apenas isso. Porque amo ficar em casa. Mesmo não tendo tudo ou estando só, é o meu lar, onde me fortaleço para então enfrentar a vida diária novamente.

(Catalão, 25/02/2011)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 25/02/2011
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