" O que trás saudades "
Quando criança gostava de ir ao campo do “Pó de Arroz”, no São Vicente, para apreciar o espetáculo de futebol do nosso invencível tricolor.Lembro com uma saudade imensa, até a escalação do glorioso “Pó”:
Titulares: Valdeque, Tota e Abelar Mancebo – Jonair Mandioca, Hereno e Gilberto Pica Fumo - Benias, Constantino, Xandoca, Paulinho e Zagalo.
Cascudo: Guarim, Antonio Tiriça e Chechinha Gabarrento – Tantana, Deó e Lila - Broa, Chiquinho Guimbeiro, Zé Rael, Fisico e Fizinho Catuá.
Técnico: Oséias Pedreiro era o técnico. Sempre tinha uma latinha na mão. Gostava de ver o treino comendo formiga tanajura e fumando cigarro “Beverly”
A tática era o 4-2-4 – Esta era a locomotiva de gols.
Este time era invencível, quando enxertado com a Aloísio Munhão e o Afonsão, ambos do Nacional. Goleava ate a seleção Holandesa, Húngara, e até a magnífica seleção de Uganda.
Para manter a cadencia e a regularidade, esta “Academia de futebol treinava todas as tardes, e todas as tardes lá estava eu para jogar boleba, tampinha e rodar pião.
E eis que aparece ele, alto e sorridente e com a esbelteza do Faquir: Paulinho!
Estava fazendo o aquecimento para o treino. Era uma hora de exercício fisico para ganhar músculos. Ele se exercitava até ficar morgado.
Gostava do seu futebol, lúcido e encantador, e leve. Era um craque exuberante. Foi convidado por muitos times, mas gostava mesmo era do “pó de arroz”. Jogava por fervor à camisa.
O meu amigo Paulinho me causava uma grande preocupação pela sua magreza absoluta:
Às vezes eu me apavorava: E se ele dividir uma bola com o Abelar Mancebo, o Altamirão, ou com o Jonair mandioca, ou o jarbas surdo, aquele caminhão?
Não senhores, Paulinho possuía a elegância dos grandes ídolos do passado, tirava o corpo e deixava a perna, e ao afastar a perna carregava a bola, num drible espetacular. Esvoaçava, transcendia as dimensões quânticas.
Apelidaram aquele drible de o “drible do bode”. Só Paulinho sabia a arte daquele drible.
O campo do “Pó de arroz” ia abaixo. A torcida ia ao extremo delírio. Era a consagração.
Wilson Barros se desesperava com um lenço na mão. Ia à loucura nunca vi ninguém torcer como o Wilson. Sozinho ele fazia uma celebração. Imaginem,com o campo lotado, e o tricolor botando lá dentro?
Apesar da carga de exercícios ano após ano, a musculatura de Paulinho estava no mesmo lugar. Pior: Não estava.
Encabulado, eu ficava contando as minhas bolinhas de gude na beira do campo e observava: Nenhum músculo à vista. Nada que esboçasse alguma protuberância nos lugares reservados aos músculos.
É que não havia matéria orgânica disponível para a formação muscular.
Não sobrava nenhum resíduo para ser transformado pelo organismo, e reciclado para as partes musculatorias.
Um plantel vermicular havia se instalado em todo organismo.
Os vermes, por sabedoria instintiva de sobrevivência, formaram creio, uma cooperativa deixando o organismo vivo, somente para manter o controle e o deleite da hospedaria, ficando o mínimo na "linfa", o nescessário para a sobrevivencia do meu ídolo.
Como sobrar para a aquisição de massa muscular?
Via a valentia no seu olhar e a determinação em ser forte, mas faltava a vontade política para dialogar com a oposição: Os vermes.
Durante o dia, estava ele entregando cartas na sua bicicleta Phillips, antiga, mas eficiente, e como pedalava o meu camisa l0, um craque de puro sangue, de se respeitar.
Estivemos juntos algum tempo atraz, estava belo e bem disposto, e forte.
È que os vermes já não estavam mais com ele. Teve sorte em identificá-los e puni-los a tempo. Formavam um time do mais alto poder ofensivo de destruição:
Solitária, ameba e xistosa – tricocefalus, giárdia e necator – Strongyloides, trichina, ancilóstomo, oxiúros e lombricóides.
Imagino Paulinho sem aquela fauna invisível, sem aquele exercito segurando os seus passos, as suas arrancadas, os seus dribles “do bode”, maravilhosos?
Seria um Maradona, seria um Beckembauer?
O “galinho” imortal, o Deus Heleno de Freitas?
Que os vermes atrapalharam eu sei. Dr. Manoel não alertava?
Para o cigarro e a lombriga?
Então!