• O sonho dentro um sonho •
O ar está sereno... Deveras díspar da noite anterior, quando, ferozes, os ventos golpeavam, a uivar, a velha janela de nosso quarto, enquanto enormes rabiscos de luz cortavam o manto negro da noite, e as nuvens sobre toda a terra derramavam suas lágrimas. Hoje, à beirada desta mesma janela, sobre ela debruçado, observo maravilhado o despertar da natureza: o orvalho que aos poucos se esvai, os esquilos que saem de suas tocas, as matutinas corujas que se empoleiram nos galhos mais altos das imanes árvores; o som da água – embora distante, percebo - está mais intenso. Provavelmente o nível do rio se elevou com a chuva de ontem. Percebo também que ao longe - se meus olhos me não enganam -, por entre os picos congelados das magnas montanhas densa neblina se movimenta calma e lentamente... Ah, a natureza é divina em seu esplendor!
Quando o Sol no longínquo horizonte já está numa razoável altitude, deixo meu espaço na janela e, em passos quase síncronos - como se dançasse -, caminho até a cama. Com todo o cuidado possível, sento-me em sua borda – não quero despertá-la. Encanta-me como nada mais estar a observá-la enquanto repousa, sua face tão serena quanto o mais límpido dos céus e o mais calmo dos dias, como se estivesse no mais belo dos sonhos... Ela é a criatura mais bela que os meus olhos já puderam contemplar, e estou certo de que a mais bela entre as mais belas. É como se a própria forma da bucólica beleza houvesse tomado a forma humana...
Cuidadosamente, retiro os cabelos que estavam sobre sua face, prendendo-os por detrás de sua orelha. Sua respiração compassada é calma; a forma de seu rosto é perfeita, e mais perfeita não poderia ser; mas, ah! O que eu mais amo são os seus olhos... O seu desenho, seu delinear, e seu próprio olhar me desmancham. Basta um seu olhar profundo no meu fixado, e é como se eu perdesse os sentidos e a razão de mim mesmo; todos e cada um dos meus pensamentos se esvaem; sou absorvido para um estado de transe onde o tempo e espaço me parecem inexistentes, onde nada mais há senão ela... Mergulho na profundidade de seu olhar, onde me afogo de bom grado, e para o sempre me perco... E para o sempre almejo estar perdido...
Beijo-lhe a face de tez macia. Ela desperta... Entrego-lhe uma rosa – retirei-a do roseiral à beira da janela, enquanto da vida o decorrer eu observava.
“Bom dia, meu amor... Dormiste bem?”
E, após ela esfregar os olhos para despertar, e me estar a observar, lhe esboço um gentil e carinhoso sorriso. Ela mo devolve ainda mais gentil e carinhosamente, e eu a amo tanto, tanto por isso. Por ser quem é, como é... Ah... Meus lábios agora esboçam o que todo eu – meu ser, meu coração e a minha alma – sentem o ardor, o infinito desejo de exprimir algo em toda a sua grandiosidade, mas que simplesmente não podem...
“Eu te amo...”
(...)