A Generosidade á azul

A generosidade é azul

Depois de dias suportando o clima de guerra , desci a serra , onde só lama , destruição , sirenes de carros com corpos desfalecidos , retirados de centenas de soterramentos , via-se desde o dia 12 de janeiro de 2011 .

Das serras jorravam lágrimas , no céu , a lua , crescendo em sua luz prata , parecia pedir desculpas pelos estragos causados pela inocente natureza , as estrelas que via-se no céu depois daquela torrente de água , pedras e lamaçal infindável , provocados por uma tempestade magnética sem precedentes , mais pareciam lágrimas da mesma natureza , que chorava assustada , como uma criança que acaba de fazer uma grande travessura.

Ingênua , a natureza tentava alentar-nos . Chorava baixinho , por uma chuva fraquinha ou , então , ofuscava nossos olhos lacrimosos com raios faiscantes e tímidos de sol.

A cidade era só destroços .Ruas que agora , eram rios , rios , ora sulcados , ora transformados em torrentes , corredeiras e até cachoeiras , com os seus leitos apedrejados por enormes pedras , pedras que desprenderam-se de montanhas , que agora , mostravam-se cheias de crateras , rasgos , desnudada de árvores que desciam , com raízes profundas e caules com 10 metros ou mais .

O Cenário era de uma bomba atômica a destroçar casas , de tão em pedaços que estavam.Pedaços de paredes coloridas , mais parecendo cacos de uma casa de brinquedos , casas que , de fora , via-se a privacidade invadida sem qualquer cerimônia , e , ainda , outras tantas saqueadas .Casas que desciam umas sobre as outras , pela força da terra , que com a água , os raios , fizeram-se descer das montanhas.

Pessoas vivas em abrigos , roupas e alimentos que chegavam de todos os lados , pessoas que chagavam para ajudar , também de todos os lados e pessoas mortas que se amontoavam em mortuários improvisados em creches , colégios , escolas de samba ou em qualquer outro lugar .

Via-se de todos os lados , uma única cor , a cor marrom. Uma cor surpreendemente assustadora , devastadora , cobria o sangue da vítimas , a dor de todos , daqueles que ficavam , daqueles que sofriam , daqueles que se perdiam na lama , nos torrenciais das águas.

Estradas que desabavam , pontes que eram levadas pelas águas e casas que eram lambidas pelas margens dos rios .Pessoas que eram salvas , pelos helicópteros , por outros comuns , pelos homens civis comuns , pela defesa civil , pelo corpo de bombeiros , pelo vizinho , por alguém que estava , por enquanto , a salvo .

Homens que morriam enquanto socorriam vítimas. Pai e filho que conseguiam sair com vida , enquanto o pai o alimentava com a sua saliva e o filho o alimentava com o desejo de viver .

Sentia –se, em meio à catástofre , cheiro de generosidade . Três dias depois da tragédia , quando descia a serra , vi um cenário também de guerra , mas de guerreiros do bem. Eram ônibus , muitos , com muitos , muitos garis , com uniforme laranja .Caminhões , inúmeros , da COMLURB , o Exército , a Marinha , a Aeronáutica , o vice-governador , e muitos outros carros de cidadãos carioca , que subiam em direção à serra para nos prestar a sua generosidade.

Lágrimas incontidas , emoção lúgubre de alguém que ainda não se permitia tomar consciência de toda aquela tragédia .

Por todos os dias , homens trabalhando incessantemente , após terem sido recebidos com aplausos . Os garis cariocas misturavam-se ao cenário marrom , a dar um colorido de esperança . A cor laranja fosforecia em meio àquele lamaçal que era , diligentemente retirado.

Caminhões em outros pontos da cidade , corpo de bombeiros que tentavam resgatar corpos ou pessoas com vida .Era o que se via .

Aos poucos , pessoas circulavam em busca de pão , água , uma vela para a noite , após a tragédia . Uma noite de corações em treva .

Campanhas seguiam-se por toda a cidade carioca ,alarmada com os cenários que viam pela mídia , que massacravam os seus corações , comoviam e choravam com a serra . Foram caminhões de donativos , centenas de voluntários para auxiliar os desabrigados , eram muitos , não sei quantos , acho que mais de 10.000.

A generosidade carioca era de emocionar , de chorar um choro diferente daquele que chorávamos em meio à tragédia. Um choro de sentimento contido , de agradecimento , de ânsia por não apertar a mão de cada um que , delicadamente , enviava ajuda ou pessoalmente ajudava .

Eram pessoas que saiam do conforto de suas casas , que esqueciam-se de seus dramas próprios da cidade grande e compareciam aos postos de coletas. Eram avisos por todos lados , postos de arrecadações , inúmeros .

Filhos nossos( de friburguenses) que residem no Rio, montaram uma verdadeira rede de e-mails e deflagavam inúmeras campanhas , donativos para crianças , com roupas doadas por lojas infantis , caminhões de mantimentos que chegavam de muitos outros lugares, mas principalmente do Rio .

O carioca mostrou que a generosidade é azul .

E , hoje , duas semanas passadas , no entardecer , quando desço do 8º. Andar do prédio da OAB , na rua Marechal Câmara , junto com meus clientes , olho para o cenário que desnuda-se à minha frente.

Um cenário com montanhas azuis , árvores azuis e tudo , absolutamente tudo me pareceu azul e eu , achei o Rio de Janeiro lindo, vi um Rio de Janeiro dos poetas e pensei : a cidade está azul porque está cheio da generosidade que dispensaram às serras fluminenses , e falo por Friburgo, e conclui que , sem sombra de dúvida, o povo carioca é um povo generoso , por isso, a cidade do Rio de Janeiro é azul.

Therezinha Henriques
Enviado por Therezinha Henriques em 23/02/2011
Código do texto: T2810135
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