CORAÇÃO DE PAI
São onze horas da noite de um final de semana qualquer. Estamos sozinhos, eu e minha esposa. Ela dorme e eu velo. Olho-a e vejo-a tranqüila e serena. É assim que dormem os justos. Infelizmente, não consigo dormir. Como conciliar o sono se os meus filhos ainda não estão em casa? Embora saibamos que o abrigo do lar não nos garante a segurança a segurança desejada, pelo menos, nos transmite, ainda que falsa, uma sensação de segurança.
Cada carro que se aproxima desperta os meus sentidos. Já conheço o barulho do carro de cada um deles. Às vezes, quando estou em dúvida, vou até a janela para verificar. Há pouco, um deles chegou e, por incrível que pareça, foi o mais novo. Estão fora, ainda, o mais velho e a minha única filha. Não posse prendê-los em casa. Estão crescidos e precisam viver a vida com todas as suas circunstâncias. Sinto-me um pouco melhor, pois, pelo menos um está em segurança. Mas, por onde andam esses meninos que não chegam? Meninos é força de expressão perfeitamente compreensível, pois para todo pai ou mãe, seus filhos são sempre meninos. Já passava da meia-noite, quando olhei o relógio pela última vez. Um carro se aproxima. Meu coração acelera, numa expectativa que se renova a cada ruído de motor. Era o meu filho mais velho. Mais um pouco de paz para o meu coração aflito. Já é de madrugada e a minha filha ainda não chegou. Fico cada vez mais angustiado. Imagino-a sendo abordada por bandidos nos perigosos cruzamentos da cidade. Ah, meu Deus, como é difícil ser pai! Por mais que racionalize, não consigo imaginá-la rodeada de amigos celebrando a vida. Só penso na violência que nos cerca por todos os lados. Tá difícil viver. Isso me faz lembrar o meu longínquo torrão natal. Como era gostoso poder ficar na rua até tarde da noite, sem qualquer preocupação. Hoje, infelizmente, vivemos acuados em nossas fortalezas, rodeadas por cercas elétricas, por câmeras de segurança, arame farpado e toda parafernália tecnológica possível, em busca de segurança. Imagino que a maioria das pessoas tem uma estória de violência para contar. Quando menos, algum amigo ou conhecido já foi vítima da violência urbana. Tá difícil viver, sobretudo, na cidade grande. Finalmente, ela chega. Não dá para descrever a paz que invade o meu coração. Também não podia ser menos, pois Deus não fica devedor de ninguém. Certamente, a paz que sentimos é infinitamente maior do que a aflição que nos angustia a alma. São duas horas da manhã. Vou dormir, pois tenho mais um dia de trabalho para vencer. E assim, vou levando a vida que Deus me deu. De susto em susto, vou tocando até quando Ele me permitir. Ainda com o coração agitado, revivo os momentos de preocupação, numa tentativa inútil de preparar-me para outro momento como esse, pois, afinal, os meninos precisam viver. Não posso negar-lhes isso. Não será se escondendo da vida que cresceremos como seres humanos. É no embate da vida que se forjam os caracteres. Enquanto isso vou orando pedindo proteção a Deus para todos nós, pois a vida continua e não pode ser negada a ninguém. Que Deus nos abençoe.
Luis Gentil
Fev/2011