CAOS E CAUSAS
Olhando a greve branca dos controladores de vôo, quase nem dá para ver seu nexo com o atentado às Torres Gêmeas. Tampouco, à primeira vista, vincularíamos as Torres ao recente caso do garanhão paulista e suas duas mulheres reféns. O caso das reféns se enrosca ao seqüestro de um avião por um turco, que chamava a atenção do Papa para ser isento do serviço militar. O jovem turco, no fundo, repetia a ação dos guerrilheiros chechenos-ingushis que em 2004, em uma escola de Beslan, causaram a morte de 301 pessoas, a maioria crianças.
Esses fatos, poucos dos muitos exemplos possíveis, expõem uma das múltiplas feridas do mundo contemporâneo. Não basta ter uma causa ou um direito. Homens e causas anônimos perambulam pelas metrópoles. Apenas grandes tragédias viram notícias. Só o caos chama a atenção. É quase impossível ser atendido apenas com argumentos.
Foi-se o tempo em que um homem pedia socorro e toda a aldeia o ouvia. A mulher em parto, ao primeiro gemido, era acudida por vinte parteiras. Hoje, a rapidez de informações e a quantidade de fatos emudecem os dramas individuais e coletivos.
Se, por um lado, conseguimos avançar na ciência e na técnica, não aprendemos ainda a importância do diálogo para convencermos os outros de que nossos projetos são mais adequados ou de que nossas causas são mais justas. Os controladores de vôo, para serem ouvidos, precisam causar danos e transtornos; os grupos terroristas precisam matar para implementar seus projetos, o homem turco precisou seqüestrar um avião para ser visto, o homem em São Paulo fez-se notícia para ser olhado em seu drama amoroso.
A maior conquista da história humana – fala, palavra, linguagem – ainda não conseguiu sobrepor-se aos gestos e fatos. Um gesto vale por mil palavras, dizem. Mas - quando a defesa é de direitos ou de causas, de ideais ou idéias, de projetos ou de sonhos -, não devia ser assim. Para estes casos, e muitos outros, uma palavra é mais pacífica que mil gestos. Com ela arquitetamos os argumentos e deveria ser com eles a vitória de nossas propostas, a solução de nossos problemas.
Entre tantas tragédias por boas ou nem tão boas causas, a sociedade precisa pensar se não estamos gerando um desespero individual e coletivo por falta de instâncias para a voz e, no máximo, o grito. Na multidão e na massa, ninguém nos ouve, ninguém conversa, ninguém argumenta, ninguém avalia razoabilidades. Causas, para serem implementadas, precisam mesmo de grandes tragédias?
Chamar a atenção do mundo para a situação do trabalho – caso dos controladores de vôo -, para os dramas pessoais – caso do homem e suas mulheres -, para ideais religiosos e políticos – caso das Torres gêmeas, poderia e deveria ser feito apenas por bons argumentos. A história prova, nenhum drama individual ou coletivo se desenlaça com estrondo e tragédia. Mesmo que o mundo inteiro fique sabendo.