O CRONISTA
O cronista é um entornista. Não entenda como aquele que entorna. É um neologismo que uso para explicar que é aquele que vive no entorno dos fatos mesmo participando deles. Se o poeta é um "irmão das coisas fugidias" como disse a Cecília Meireles, o cronista é um parente bem próximo também.
A maneira de cada um aproveitar os eventos da vida pode ser singular. Há os que gostam dos olhos e outros que gostam do olhar. Por exemplo, outro dia a minha filha me pediu que a levasse ao Mineirão. O sonho dela era entrar lá e assistir a um jogo de futebol do Cruzeiro. Enquanto ela torcia nervosa, gritava, esperneava e roia as unha, minha atenção estava mais voltada para a “ôla”. Acho uma maravilha aquela onda humana coreografada sem ensaio. Não dá errado, ninguém sai da harmonia. A mesma coisa eu observava com relação às músicas e bordões cantados em uníssono por uma metade do estádio e respondidos pela outra metade logo em seguida numa espécie de desafio de rimas não muito líricas nem elogiosas, às vezes até impublicáveis, de corar faces mais pudicas. Parecem corais afinadíssimos de tenores, baixos e barítonos. E hoje em dia ficou ainda mais bonito com o crescente número de mulheres nos estádios, acrescentando sopranos e contraltos. Sem contar o fato do enfeite que elas dão no meio daqueles marmanjos.
Em festas, bailes, feiras, shows e outros eventos menos alegres, como velórios e hospitais o cronista costuma ter um desvio de conduta. Muita gente diz que ele está ali calado, parecendo ausente, outros que ele está dando atenção apenas a uma pessoa ou a um acontecimento específico mas para mim ele está é recolhendo matéria prima. Dificilmente sai do lugar sem um esboço mental do que vai colocar no papel. E se for dos que carregam seu bloquinho de rabiscos, esboça ali mesmo, indo ao banheiro, saindo do aglomerado, ou anota em atitude pública, às vezes tachada de maluquice ou suspeita de um infiltrado. Vai colocar o que as pessoas que estavam presentes só de corpo não notaram e que ele observou com o espírito perscrutador. Acaba fazendo depois uma outra fotografia, captando ângulos e trejeitos que máquina fotográfica ou filmadora nenhuma conseguiu. Estará completado então o registro alegre ou triste.