Muito Além de Piracicaba
Um sábio filósofo disse certa vez: “tios te preparam para a vida”.
E disso nosso jovem Luiz Augusto sabia, e muito bem. Afinal, sua criação foi marcada pela traquina presença de tio Valdir, um exímio pentelho que a feliz condição de irmão da mãe permitia.
Valdir era um tiozão clássico.
Mal Luiz mal completou 7 anos e já tinha dedos indicadores molhados de saliva cutucando seus ouvidos, passando pela adolescência com esmagadas no aperto de mão. Os anos seguintes colocaram a criatividade de Valdir à prova. E ele não decepcionou em nenhuma oportunidade. Aos 17 anos, as brincadeiras culminaram em encabulantes demonstrações de orgulho.
“Mostra o pintão pro tio, mostra!”. Bradava um avermelhado tio Valdir, no almoço que a família conheceu sua primeira namoradinha.
Mas nem o mais sábio dos filósofos preparara Luiz Augusto para aquele momento. Lá estava nosso herói, na mesa do almoço de sua primeira viagem com a família da namorada. Por ironia do destino, no interior paulista, na belíssima cidade de Piracicaba.
Mas dessa vez, o jogo tinha virado. A vergonha de recém chegado tinha se dissipado. Luiz Augusto sentia-se confiante. Afinal, havia transposto com ginga e talento a temida barreira da receptividade do sogro.
Logo antes de tomarem seus lugares na singela mesa de 18 lugares, Letícia o avisou de um fato com os olhos arregalados de receio. O alerta era para um certo tio, tido como “brincalhão e muito sem noção”. Mas Luiz deu ombros. E respondeu com um meio sorriso, entre ousado e confiante:
- Fui treinado pelos melhores, meu bem.
Disse isso e justamente ele, a lenda, puxou uma cadeira e sentou ao seu lado, cumprimentando-o com um sorriso de lábios colados. Letícia estremeceu. Luiz Augusto manteve a compostura. Mas não sem deixar de engolir sua saliva, em seco.
A mesa servia um verdadeiro banquete. Leitão à pururuca, purê de polenta e para completar, uma vaporosa travessa de rabada. Os diálogos corriam bem, pontuados por trivialidades. Até que ele, o legendário tio Gera, soltou sua primeira pergunta revezando o olhar entre Letícia e o marinheiro na primeira viagem com sua família.
- Lelê minha querida… Você está diferente. O que você fez?
Letícia olhou para seu prato e respirou fundo. Conhecia o seu tio. Era uma escada para sua piada, sabia que era. Tentou desconversar. Os primos se cutucaram com as costas nas mãos, nem se esforçando para esconder a animação.
A sobremesa tinha chegado mais cedo.
Letícia respondeu:
- Ah tio… Nada não. Estou a mesma, ué. – E deu um sorriso amarelo como a polenta no seu prato.
Sônia, esposa do conhecido tio Gera, enviava bolas de fogos por olhares de repreensão. Sinais claros de “Geraldo, para de graça JÁ!”. Mas se ela bem conhecia seu homem, sabia que nem atravessando um garfo por sua mão ele perderia a piada.
- Não… Não sei. – Gera semi cerrou os olhos, pensativo - Você tá mais… Mais mulher. Está muito bonita!
E com esse “bonita”, Luiz recebeu uma olhada de canto do olho que gelou seus ossos. Estava chegando sua vez de ser jogado ao fogo da vergonha. Tinha certeza disso. O rapaz respirou fundo, fechou os olhos e lembrou dos ensinamentos do mestre Valdir.
A família já começava a suspeitar até onde tio Gera queria chegar. O silêncio na mesa era total, só cortado pela tensa apreensão pelo seu desfecho. Até que Letícia, num gesto ousado, tentou pegar no pulo o famoso Geraldo Albuquerque. E disse firme:
- É que eu coloquei silicone nos peitos, tio. É por isso.
Nem ele esperava por isso. Nunca na história de um almoço da família tantos olhares foram trocados simultaneamente. E Sônia, em uma tentativa desesperada, tentou mudar de assunto:
- Gente, alguém acaba com esse purê vai.
A frase ficou jogada no vazio. Podia ser um purê feito a quatro mãos por Jamie Oliver e Claude Trogois, a resposta do tio Gera era muito mais esperada. E para a surpresa de todos, tio Gera não respondeu para Letícia.
Sem uma gota de constrangimento ou sinal de surpresa pelo desafio repentino, tio Gera direcionou o olhar para seu irmão.
- Beto, me diga uma coisa. Quanto que custa uma cirurgia dessas?
- Ah Geraldo, já chega. Brincadeira tem limite!
Sônia perdeu a paciência com seu marido. Estava envergonhando a menina, ainda mais na frente da visita. Que grosseria! Raivosa, só a distância a impedia de usar seu garfo para outro propósito.
Malandro, Geraldo fingiu indignação.
- Mas não é brincadeira, Soninha. Só queria saber, ué! Coisa mais normal do mundo. Qual o problema? – Virou para seu irmão, e reforçou. – Sai por quanto hein Betão, uns 3 mil?
Encabulado, o sogro de Luiz Augusto respondeu com disfarçada naturalidade.
- Ah… Custou 4 mil, por aí.
Tio Gera encenou um espanto maior do que realmente sentiu. Estava chegando ao clímax do seu ato.
- Caramba! Quatro mil reais?
Olhou em volta, fisgando de vez os olhares de todos os convivas e sustentando o olhar em Luiz Augusto por pouco mais de longos 3 segundos.
E com tapões repetidos nas costas do rapaz, arrematou:
- Quatro mil reais… 4 mil reais pro meninão aqui brincar!