Há dois anos
Agora são duas e cinqüenta e um da manhã. Não consigo me lembrar da última vez que tive um sono extremamente saudável. Creio que deve ter sido há cerca de dois anos. Pois nesses pares de anos eu via o mundo sobre um oceano de flores. Nesse período meu coração batia vitalmente. Hoje, entretanto, às vezes, no auge dos meus 23, sinto como se ele fosse parar a qualquer momento. Talvez isso me tire a fantasia da madrugada e faça com que eu sinta os prazeres da cama somente depois das cinco da manhã. Embora eu me esforce evitando açúcar, cafés e leves cochilos durante o dia, eu não obtenho a concentração necessária para um sono regado a felicidade. Se conheço bem este Luan Iglesias que vos escreve, ele enfrenta mais uma de suas fantasiosas e justificadas crises existenciais.
Existe um fato marcante que me acometeu em meados de 2009. Pela primeira vez, eu senti que o amor não era inteiramente bondoso. Pela primeira vez, com os meus então 21 anos, eu senti uma ardência tão descomunal no peito que, por um segundo, achei que fosse uma depressão acentuada e provocada por uma ilusão da vida. A mulher que eu amava fugiu dos meus planos. E eu, que colocava as mãos no fogo por ela, demorei a entender que vivíamos uma relação de mentiras e projeções. Os sentimentos até eram reais, mas não posso crer que fomos sinceros para com outro. Então, após o término, só me recordo de ter notado um corte de cabelo diferente moldando o rosto dela. Poucas palavras. Nenhum abraço. Nenhum sorriso. Muitas dúvidas pairando no ar. Ela apareceu após quase dois meses, e já estava entregue à pele e aos lábios de outro. No início eu achei que tivesse sido o trouxa da história, como corrriqueiramente o fui na época do meu primeiro grau. Depois, tomei por conta que assumi a posição de um rebelde romântico, fazendo jus às minhas ações mantidas no pretérito do meu Ensino Médio. Àquela circunstância eu estava na faculdade, enfrentava as questões filosóficas presentes na metade do curso e, surpreendentemente, consegui superar o amor mal acabado na presença daquela que me fez feliz. Estagiávamos no mesmo ambiente: Quase lado a lado. Eu a consolava, era testemunha das lágrimas que ela derrubava sobre a pele amarga de pesadelos, por outro homem. Que tipo de pessoa eu era? Penso.
Esquecer um amor na presença do próprio amor é um desafio e tanto para quem tem 21 anos recém completados, para quem havia voltado da França após 31 dias de reflexões, com esperanças nos bolsos da calça de pijama. A vida se reabriu para mim poucos meses depois. Conheci novos amigos, outras mulheres de diferentes idades e entendi que a nossa condição humana e de relações sociais – sejam elas de qualquer espécie, não é de infinitude. É duro aceitar tal fato. Entretanto, a realidade martela aos olhos de quem está disposto a enxergar. Por nenhum momento me tornei cético ao amor. Amei e amo. Me apaixono por almas livres e pensantes e, ainda assim, não creio que tudo isso seja infinito. Quando 2009 começou eu tive a primeira prova de que não viveria para sempre. E que cada relação, cada experiência, cada palavra e/ou frase pronunciada deu forma a dialética existencial. É tão difícil responder a todas as inquietações que emergem em nossa a consciência... Se o mundo é feito de perguntas, onde estão as respostas?
Há dois anos eu acreditava, sumariamente, saber de tudo. Tinha a solução e, no mínimo, a equação para todos os problemas que orbitavam o planeta. Eu era um utopista dos mais baratos. Quando a queda me despertou, eu compreendi que podia e posso amar outras pessoas e me libertar dos conceitos fabricados pela sociedade moderna. Pois bem: me libertei. Voei alto, pousei. Alcei vôo novamente, aterrisei. Chorei. Sorri. Descobri novos rumos, novas decepções, novas alegrias, novas dúvidas, novos rostos cujos cortes de cabelo me fazem sonhar com os pés no chão. Então, por que a crise existencial senão para voltar ao Recanto e dizer a você, leitor(a), que não posso evoluir sem expressar o que me sufoca? E, afinal, o que me sufoca? A ausência da minha literatura ou a ausência do meu sono? É soma dos catetos que é igual ao quadrado da hipotenusa.
Eu voltei.
Há dois anos todas as cores mudaram para mim. Há dois anos eu me transformei na velocidade da luz na busca por felicidade. Deu certo.
Eu sou feliz.
Sou um sonhador.
Um errante da natureza, que se julga finito sob as condições humanas. Contudo, também sou contraditório ao afirmar que as lembranças, quando penetradas na alma, se tornam imensuráveis. As pessoas e tudo que as cercam são feitas de lembranças, memórias. Daí a infinitude.
Há dois anos eu me tornei infinito.
Posso dormir, enfim, só.
Boa noite
Aos infinitos que amam sem cessar sonhos.