Da curiosidade erótica (Ou um ginecologista atrapalhado)

Da curiosidade erótica

(Ou ginecologista atrapalhado)

Sua investigação como anatomista lhe renderia muita polêmica. Após analisar e fotografar milhares de clitóris compreendeu que o pênis é na verdade a parte mais feminina do corpo humano. Temia que a descoberta caísse na galhofa sexista. Para ele havia uma terceira etapa humana intermediária – que ele denominou, por conta e risco, de “terceiro ser” andrógino entre a espécie humana. Motivo pelo qual temos, além disso, mais massa cerebral do que utilizamos numa relação corpo e mente. A cauda ligada ao cóccix era o elemento sensível as orelhas de sua grande agilidade. O homem revelava Doutor Lineu é o seu comportamento cultural. O comportamento cultural que se destacou da condição de aceleração do crescimento do clitóris no órgão sexual feminino.

Tive o privilégio de conhecê-lo durante o período acadêmico. Era aquele sujeitinho alegre e de olhos miúdos e socados. Aparentemente distante das situações. Sempre rodeado de beldades, mantinha-se adepto da mais pura discrição. É notável que tenha fotografado milhares de mulheres para o seu estudo sobre as marcas da ancestralidade. Para o doutor Lineu Epaminondas, dos filhos mais nobres de Pitangas, tais criaturas ancestrais copulavam sem distinção de sexo. Com cobertura de pelos, além de glândulas mamárias comuns a espécie, teriam sobrevivido graças à alimentação de peito até alta idade. Para ele a fase coletivista viria bem depois da mutação e do desaparecimento da terceira identidade genética modificada pelos cruzamentos. Seria dotado de um fraco poder para a maternidade, forjando a espécie com períodos de deformação, até a fêmea encontrar uma distinta fêmea que lhe premiasse o tempo e a dificuldade da construção arquitetônica humana. Somente o trabalho fascinante do sexo ao largo do tempo permitiu o nosso aprimoramento genético. Tudo o que chamamos de perversão é o reflexo do pano escuro do passado remoto.

Para o doutor Lineu o clitóris permaneceu oculto ao largo da história humana devido à visão intolerável da proximidade do pênis, diminuto, com o pênis avantajado em ambas as partes. Na medida do crescimento “O espermatozoide era primeiramente capaz de sobreviver no suco vaginal como demonstravam as amostras colhidas no laboratório de estudos profundos sobre o desenvolvimento sexual humano de Pitangas. Comarca rica em estudiosos brilhantes. A reprodução era transmitida pela proximidade do fluxo da mucosa com a própria mucosa, tendo o pequeno pênis a função de estimulação e direcionamento da cópula. Sendo o instinto uma reprodução de certezas sobre resultados prazeirosos – o trabalho erótico produziu todas as variações de estimulação, basicamente aquela em que envolve a limpeza através de lambidas. A crua linguagem do doutor Lineu lhe valeria grandes perseguições, salmos santificantes, púlpitos febricitantes, quiproquós de esquina após a divulgação de seus estudos, de modo impróprio, graças ao Robledo Mascarenhas. Estúpido jornalista interessado em vender sucessos e escândalos bem mais do que esclarecer o mundo da própria ignorância. Por esta razão os estudos do doutor Lineu até hoje são considerados absurdos, refutado pela ética médica e pela classe ainda pensante. Diriam...

Tão brilhante desenhista quanto George Cobald, o primeiro a desenhar um clitóris em 1884 no mundo que se tenha notícia. Delonga e alonga nos primórdios a noção que possuímos de a fêmea ser ampla, genérica, jamais se adequou a composição natural de nossa atual ordem social. Concretamente vivemos sem aceitar os ciclos obscuros formadores da atual estrutura: incluindo a fase caudal dos fetos e a semelhança do espermatozoide com a parte reptiliana do universo. Pasmem.

Perdeu a mulher após a balbúrdia da igreja empunhando cartazes ligando a toda femealidade a mais abjeta imoralidade. A “passeata do clitóris” – recebeu este nome porque muitas mulheres da cidade haviam sido fotografadas, embora somente as partes genitais, sem que sonhassem a possível revelação pública por parte da imprensa. Para aquelas beatas barbadas o aparelho de fotografia nas mãos de um ginecologista simbolizava o aparelho de raio X. num consultório odontológico. Nunca sonharam suas vidas num cadastro de genitais. De fato, doutor Lineu, solicitava educadamente permissão às pacientes. Quando a polícia desarticulou o seu consultório encontrou milhares de fichas com permissão para foto, declarando de modo legal: Autorização de doação da imagem. Foto genital completa. Seguida de outra menor do clitóris. 3x4. O caso foi parar na justiça. A vida do doutor Lineu tornou-se enorme inferno. A justiça não sabia se julgava o homem ou suas descobertas. Nunca um caso como este havia gerado tantas páginas no mesmo processo. Ele perdeu a mulher Etelvina que fugiu desabalada de casa enquanto ele trabalhava. Fugiu para se casar com o anão taxista reconhecido tocador de trombone na banda marcial.

Se não fosse o eminente cientista norte-americano Elvis R. Cole analisar metodicamente o caso, talvez o Doutor Lineu tivesse dado cabo de sua vida. “É sempre assim, murmurava, vejam o Landel de Moura...” Lamentava. Quando dormiu com a nova Justine, após o desenlace de quarenta e sete anos de casamento arruinado reconheceu nela a mulher completa. Juntos começaram a investigar casos avantajados. Desapareceu dela e dele a ideia frigida de suposta “homossexualidade” absurda, ligada ao fato da revelação sublinhar apenas a existência de fêmeas em toda espécie humana nos primórdios da existência.

Considerando a diferença apenas cultural, como as crenças construídas passo a passo, ano a ano no ambiente em que vive cada pessoa. Simplesmente alguém que vivesse onde a maioria descresse de Deus suprimiria a existência em questão. Antes não havia homossexualidade, nem prostituição, a catalogação das pessoas como objeto da moral definida é fruto da política burocrática moderna. Primórdios! Primórdios! Doutor Lineu morreu ouvindo bad band em sua casa de repouso na serra. Morreu nem homem, nem mulher, apenas ser humano da espécie. Catalogado no endereço eletrônico como monstro da curiosidade erótica.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 21/02/2011
Reeditado em 06/05/2020
Código do texto: T2805582
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