O homem que ficou doido
Foi na pensão de Euclides. Moravam dez onde devia caber três. Donato era pândego, manguaça, violão. Dos que conheci eram bons. Camacho trabalhava numa fábrica de artefatos. Oliveira ganhava a vida vendendo na rua: discos, fichas, patuás. Deambulava um pouco e já vendia alguma coisa para alguém. Apreciava. Não fosse a perna frouxa e o temor de perdê-la.
Manhã cedo ruídos na cozinha entre o radio e os jorros de água. Era o próprio Euclides quem cuidava do café. Uns tinham direito ao café, os demais ganhavam as ruas. Nunca procurei saber a razão. No meu quarto dormia o Casé com a Cininha. Dividir quarto com casal recém casado, sem casa para morar, despejados, não é tarefa fácil. O Euclides não ia perder dinheiro. Se houvesse um indicído de indecisão, penso que me mandaria embora. Pedi para trocar de quarto com o Bastos. O Bastos era um jovem no início da maturidade, corretíssimo, só falava citando trechos da bíblia. Estava na fase em que todo livro exerce na gente uma influência, quando passamos então a inventar, com os elementos colhidos da mensagem, frases próprias de situações livres. Com mito isto é muito grave.
Ele aceitou em nome do criador. Juntei meus trastes e foi melhor assim.
Com o tempo algo começou a mudar. O pobre Bastos dava sinais de estar sempre vendo dentes nágua. Estranho de si ao mais leve pensamento sem filtro das coisas. Tive a impresão de que não dormia durante a noite. Os olhos arregalados, a palidez mortuária. O inferno estava mais próximo dos seus salmos do que a idéia em si mesma da salvação.
Aos poucos puderam constatar: estava doido. Foi levado ao hospital psiquiátrico pela polícia aos olhos dos fiéis.