Nós, piolhos
Ontem, na escrivaninha da recantista anabailune, li o texto 'Blá Blá Blá' (categoria Humor), que apresenta uma pequena coletânea dos julgamentos mais comuns encontrados aqui no Recanto, e adverte do perigo de nos comportarmos feito ‘piolhos’, ou seja: irmos sempre pela cabeça dos outros. O texto é 10! Recomendo. Até deixei um comentário, como sempre faço quando tenho algo a dizer.
E pensando sobre o tema ‘ir pela cabeça dos outros’, lembro sempre da fábula ‘o velho, o menino e o burro’, que li ainda pequenininha num livro de Monteiro Lobato. Aliás, um livro que eu adorava ler. Trago na memória bem nítidas as gravuras, e algumas das fábulas jamais esqueci, como esta. E por falar em fábulas, agora estou lendo as fábulas dos irmãos Grimm; em Alemão, claro. Por vezes, não entendo certos vocábulos, por serem arcaicos, daí peço ajuda a meu marido ou aos dicionários. Tenho tentado ler, a cada noite, uma fábula. Ao todo, o livro traz umas 210 — contei rapidinho, só pra ter uma idéia.
Sim, a fábula ‘o velho, o menino e o burro’ ilustra exatamente a asneira que é se deixar dirigir por opiniões alheias. Ao fazermos isso, acho que nossa identidade deixa de ser ‘a nossa’ para se tornar um conjunto de fragmentos da ‘dos outros’, tudo isso num esforço de não desagradar.
Este semestre, li muita coisa sobre Estudos Culturais, e posso dizer que aprendi a ver construções como Identidade, Cultura, Nação, Racismo e Gênero de uma forma muito diversa de como as concebia antes, ou seja: o que antes via como conceitos estabelecidos passei a perceber como meras construções, algo que pode muito facilmente ser usado como meio de manipulação.
Para construirmos a própria identidade, necessitamos sim do olhar do outro, mas isso não significa que a parcela alheia tenha que levar vantagem na construção final. Aprendi também que, coisas como o racismo, teoricamente, se pode combater, mas não eliminar. Ao que parece, assimetrias na contemplação dos outros são inevitáveis, de modo que certas construções mudam de forma, nome e objeto, e seguem acompanhando fielmente a humanidade em sua história.
Se eu vinha há anos exercitando a arte de minimizar o efeito do olhar alheio em minha vida, agora mesmo, depois deste semestre cultural, sinto que a coisa cristalizou. E que sensação de liberdade isso me dá! Na verdade, em condições de vida dignas e estáveis, e aqui me refiro a coisas materiais, a vida é muito simples, o resto são complicações inventadas que alguns tentam porque tentam nos impor.
"Be yourself no matter what they say"
(Seja você mesmo, não importa o que digam)
Trecho extraído da canção Englishman in New York, Sting, 1987
Álbum: ...Nothing Like the Sun
Ah, classifiquei este escrito como crônica sem pensar muito em suas características. Se você achar que não é, agradeço se me disser. Eu até lhe escuto, mas pretendo deixar assim mesmo :-). Um abraço fraterno!
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