QUASE GERENTE
Nos últimos onze anos Menezes trabalhava persistentemente no Hotel do Velho Oeste. Chegava antes dos demais funcionários, adiantava os expedientes, verificava as contas a serem pagas na abertura dos bancos, conferia os cálculos, arrumava maneiras de cortar despesas e, embora todos os funcionários do departamento administrativo largassem suas funções pontualmente às 17h55, permanecia na revisão de documentos até às 21h.
Aceitava o trabalho sem reconhecimento, não reclamava dos atrasos salariais, nem manifestava suas insatisfações com os critérios fajutos de promoção. Recordava do caso de uma estagiária. Três meses, alguns copos de champanhe barato, assessora da gerência geral recebendo cinco vezes mais do que ele.
Nos últimos meses, estabelecera meta ambiciosa: o cargo de quase-gerente. O gerente gastava os dias passeando pelo imenso complexo da rede hoteleira, cumprimentando hóspedes, bebendo com comerciantes e empresários das cidades vizinhas e lançando olho gordo para as mulheres alheias. O quase-gerente respondia pelos problemas, descascava os abacaxis e, uma vez, saíra de casa na ceia de natal para desentupir um vaso sanitário da suíte presidencial.
Para atingir a meta, estudou com afinco os movimentos do prédio, analisou criteriosamente as contas, compreendeu os mecanismos de entrada e de saída de dinheiro e, para definitivamente quebrar o ciclo sazonal, elaborou um projeto. Os hotéis, as pousadas, os albergues da juventude, as pensões e outras espécies de alojamento sofrem com os períodos sazonais. De dezembro a meados de março o hotel lotava. De abril a junho vivia às moscas para, em julho, retornar às boas e, mais uma vez, de agosto a novembro, com exceção dos feriados, o prejuízo se alastrar.
Se conseguisse aumentar o número de hóspedes nos meses em que geralmente não aparecia ninguém? Esforço, notado; genialidade, reconhecida. Telefonou para agências de viagens, trocou idéia com professores do último ano de ensino médio, convenceu associações científicas da estrutura urbana. A namorada acompanhava o desempenho dele que entrou na sala do gerente geral disposto a brigar pela vaga de quase-gerente. Prova de sua competência registrada nas reservas de setenta quartos lotados quando, no ano passado, apenas doze mantinham clientes.
O gerente geral impressionou-se, conferiu os dados, observou com empolgação o depósito de metade dos valores totais das reservas, parabenizou-o efusivamente. Faria algumas ligações. Menezes sentou-se. O coração acelerado voltou ao ritmo normal, o suor escorreu pelas têmporas, a noiva encostou na mesa. A saia curta destacava pernas grossas, bumbum arredondado em contínuas sessões de treinamento na academia, cabelos tratados semanalmente. A cara da noiva? Um asfalto repleto de crateras. Mas, o que importavam faces danificadas se o resto da lataria estava razoável?
- Conversei com o... – O gerente emudeceu, os olhos correram o corpo da parceira de Menezes que, ansioso e nervoso sobre a promoção, sequer desconfiou da atenção redobrada.
- Conversou com quem? Inquiriu o funcionário.
O gerente dar-lhe-ia a grande notícia de que o cargo era seu, mas voltando a olhar disfarçadamente a morena, informou que aguardava uma resposta superior. Afinal, como deveria saber, o cargo de quase-gerente exigia uma pessoa capacitada. Convidou Menezes e a namorada à sua sala, entretanto uma idéia assaltou-lhe no saguão:
- Você conseguiu um grande feito, mas acredito que se conseguisse mais trinta vagas, totalizando cem apartamentos lotados, os donos do hotel se surpreenderiam e o contratariam imediatamente. Já disse que você preenchera setenta apartamentos. Trinta novos clientes afastariam qualquer dúvida sobre sua determinação e compromisso. Pegue a prancheta, algumas fichas e duas canetas. Saia na rua! Convença alguns turistas a voltarem no próximo ano e se hospedarem conosco. Sei que você consegue!
Menezes agarrou a prancheta, os formulários e as canetas. Saiu repetindo: - Vou conseguir! Vou conseguir! Vou conseguir!
O gerente convidou a namorada do funcionário para conhecer a adega. Gostava de vinho do Porto ou preferia os do Rio Grande do Sul? Duas voltas na chave da porta.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 18 de fevereiro de 2011.