MEU JURAMENTO AOS PÉS DO FAROL
Dois bairros em Maceió tinham fama de muito perigosos:Ouricuri e Jacintinho. A cidade cresceu e foi se expandindo, de forma que outros bairros surgiram , muitas favelas, pobreza grande e violência crerscente por toda parte.
Havia passado em meu primeiro concurso e estava cursando o primeiro ano de Pedagogia,na época com 18 anos. Fui nomeada aos 19 anos, com direito a carteira de trabalho assinada e me sentindo poderosa por ter conseguido meu primeiro emprego, como fruto do meu esforço. O bairro determinado para trabalhar à noite para alfabetizar adultos foi o Jacintinho. Não me cabia de contentamento. Era o primeiro atestado de que eu era capaz e ia ganhar o meu salário, por pouco que fosse e era mesmo; só um quarto dele gastava com passagens de ônibus. Meus tios que moravam vizinhos à minha casa que dividia com meu irmão Edmundo, reagiram com o fato de ir trabalhar à noite e em um bairro de péssima fama. Meu pai veio conversar comigo e mostrei a ele que não era apenas eu, tinha muitas professoras que iam trabalhar lá e que não era justo ele me frustrar na profissão que tinha escolhido. empre fui determinada e ele aceitou. Lá vem minha saga: descia ao pé da ladeira e subia, às vezes quando chovia, agarrada no murinho ou cerca para não escorregar na lama. Achava o máximo, pois a idade tem dessas coisas. Lá em cima me aproximava do belo e majestoso farol, todo imponente, lançando suas luzes para nortear os navegantes, já que se posiciona na parte mais alta da cidade. Foi aos seus pés que fiz meu juramento: continuar buscando minha independência financeira, casar com meu emprego, fazer o que gostava que era ensinar, ser feliz na minha profissão e dar o melhor de mim.
Surpresa foi não ter sala de aula. Teria que procurar alunos e encontrar quem quisesse ceder sua casa para poder dar aulas. Arregacei as mangas e cai em campo. Em pouco tempo já estava com minha sala montada e com muitos alunos, que eram motoristas de ônibus, cobradores, empregadas domésticas, lavadeiras e donas de casa. Todos estavam motivados para aprender. Eu com muita disposição para fazê-los ler e escrever.Meu propósito era faze-los enxergr uma nova vida. Eles me adoraram. De todos os anos passados em salas de aula foi a única vez que senti que era amada por todos. Eles acreditavam que eu sabia muito e diziam: “Professora, a senhora sabe tudo”. E me traziam receitas médicas, pediam-me conselhos sobre o trabalho e o carinho extrapolava a minha função de docente. Nem desconfiavam que eu era quem aprendia com eles. No dia dos professores aconteceu algo marcante em minha vida: prepararam uma festa. O dia era feriado, mas pediram para eu ir vê-los e assim fiz. Lá chegando havia um enorme bolo,enconfeitado,embora com gosto de ovo (a memória gustativa permanece por inúmeros anos), goiabada de cascão e muito refrigerante quente. Eles estavam felicíssimos e como eu não poderia ficar? Foi a mais linda homenagem que recebi. Sabia do sacrifício que eles estavam fazendo para me agradar.
Ano seguinte meu espírito de aventura para vivenciar outras experiências me levou a pedir transferência para trabalhar no Vergel do Lago, na beirinha da lagoa. Desta vez eu tinha sala de aula; chegava cedo e ia assistir televisão com meus alunos nas suas casas e achava divertido. Ano seguinte abandonei a Cruzada ABC, programa de alfabetização de adultos, convênio com o governo americano, o que é outra história, pois como educar com material feito em outra realidade? Havia críticas e mais críticas ao programa. Interessava-me os benefícios que eu estava fazendo para quem era cego diante das informações e eu fazia com que enxergassem a vida de outra forma, já que aprendiam a ler e escrever. Mais um ano e pedi demissão. Fui trabalhar em Ginásio da Comunidade, no bairro Poço, também à noite, com alunos que trabalhavam no comércio, jogadores de futebol e outros. Estava seguindo o meu juramento aos pés do farol, não os da Santa Cruz. Estava fazendo o meu currículo. Hoje avalio e sei que fiz valer os meus propósitos. Quando passo pelo bairro do Poço, levanto os olhos e vejo o farol que continua imponente, indiferente ao tempo, pintado com sempre com suas faixas branca e preta e vem à memória como ele foi importante na minha vida, embora nunca mais tenha voltado a vê-lo de pertinho, como o fiz durante um ano.