O Caminho do Bem-te vi
Eu estava no 12° andar do edifício patriarca no largo de são Francisco sentado em minha cadeira e observando pela janela a paisagem que até pouco tempo o meu pai contemplava. Dali dava pra se ver logo abaixo, a praça, a igreja antiga e imponente de São Francisco de Paula e no plano de fundo, o prédio da Petrobrás, banco do Brasil, do BNDES e a catedral. Havia se passado um mês que meu pai tinha falecido e eu podia sentir a energia dele que ainda era muito ativa naquela sala onde ele trabalhou por alguns anos. Eu buscava o consolo e o entendimento da vida e da morte naquele momento. Fiquei por um bom tempo procurando respostas, observando as nuvens que formavam desenhos imaginários acima da minha cabeça enquanto conversava com Deus. Cansado, recostei a cabeça sobre o meu próprio braço em cima da janela e adormeci, só acordei quando meu irmão entrou na sala e me sacudiu.
_Você ta bem fio? Olhei pra ele percebendo a tristeza que também abatia a sua alma e falei:
_ Eu queria estar numa praia! Pra ver o mar... o sol se por!
_ Então vamos agora! Respondeu ele.
Era um entardecer de primavera de 2009, quando me vi perambulando pelo aterro do Flamengo, olhando pro mar, eu e meu irmão Odinho. Já tínhamos tomado algumas cervejas e fumado um do bom, analisando a vida para assim tentar entender a morte. Paramos numa barraca de côco por pedido meu. Aquele soro caiu bem naquela hora. Então um homem de cabelos compridos chegou com sua cadeira de praia e sentou-se a uns dois metros de nós. Enquanto eu e meu irmão conversávamos tentando entender onde ficava a garganta de saída da baía de Guanabara, o cabeludo falou de lá:
_Vocês já fizeram o caminho do bem-te-vi?
_Onde fica? Perguntei.
_Numa das pedras do pão de açúcar. Respondeu ele. Começa lá na praia vermelha, na Urca! Agradecemos a dica e seguimos em frente até pararmos em uma barraca de cervejas quase que na altura do aeroporto tom Jobim. Enquanto eu esperava na mesa, já na areia, mas ainda perto da calçada, Odinho foi até perto da água onde achou um toco de árvore e o acomodou junto a areia um pouco mais pra perto do mar e juntou a areia com os pés e fez um sofá pra mim. Ele me pegou no colo e me levou para aquele lugar improvisado onde as ondas preguiçosas do mar do aterro quase alcançavam nossos pés e tomamos mais cervejas e fumamos mais um do bom e ficamos ali vendo o mar e suas ondas serenas tocar a areia num silêncio quase que profundo. A lua nasceu cedo, ainda de dia e estava maravilhosamente cheia e quando se fez noite, um halo de luz cintilante em degradee com um tom alaranjado que resplandecia em sua volta e cada avião que subia do Tom Jobim era quase certo cruzar aquele luar deixando o espetáculo ainda mais interessante. Fomos embora deixando algumas lágrimas pelas areias e gramas do aterro do flamengo.
Voltamos pra casa com o pensamento fixo em fazer o caminho do bem-te-vi e que aquele seria apenas o primeiro caminho de nossas vidas, caminhar era preciso. Nem tanto pelo caminho em si, mas pelos nuances de pensamentos que ele nos permite, nos influencia e nos sintoniza com o todo. Parte de tudo. É preciso contemplar o belo, o grandioso, o natural das intenções divina.
Uma semana se passou e fazia a mesma tarde de primavera com o sol a pino, porém de uma temperatura agradável, bem temperada. Chegamos a praia da Urca às 4 horas da tarde e perguntamos a um banhista onde começava o caminho do bem-te-vi e essa pessoa apontou a direção. Há uns 150 metros dali daquela prainha chamada praia vermelha. Existe um posto de vigília e uma corrente que cruza o início de uma pequena ladeira não muito íngreme que só é liberado o acesso após a identificação por um dos soldados presente. Após vencermos a ladeira com uma certa facilidade, chegamos a um caminho plano, sinuoso, porém confortável, estávamos nas encostas de uma grande pedra onde no alto à nossa esquerda, podia se ver os bondinhos cruzando sobre as nossas cabeças. Estávamos nas encostas de uma das pedras do pão de açucar e a nossa direita, plantas, árvores e até banquinhos de madeira para descansar e mais plantas e árvores abaixo pelas encostas do precipício e mais abaixo ainda, o mar batendo com força nas pedras sob os nossos pés. Podia se vê também alguns pescadores se aventurando sobre as pedras no início das águas, lá em baixo.
No caminho, o cheiro do mar, as salinas na ponta da língua, um macaco silvestre, que posou pras nossas fotos em um galho e de fundo a prainha que ficava cada vez mais pequenina em nossa visão, já bem distante de nós, lá onde iniciamos o caminho. E de repente numa curva mais ousada no meio do caminho, uma visão privilegiada, onde se podia ver, a garganta da báia de Guanabara e o atlântico cruzando ao fundo. Um contemplar grandioso! Algo que não foi feito pelo Homem e que ele não pode fazer. O nos fazer pequenino! O admitir que há uma inteligência infinitamente maior que a nossa, que permite que tudo assim se faça, que tudo assim aconteça, que tudo assim seja!
No fim desse caminho, após meia hora de caminhada, um enorme muro em forma de uma redoma, onde cheguei bem perto e encostei as duas mãos nele ao mesmo tempo. O caminho estava feito! Nesse dia compreendi que "A vida é como um rio que corre não para morrer mas para fazer parte de algo maior!" Assim diz o poeta! E essa é a moral da história!