34. Chez Teillard
O meu primo engenheiro de estradas e eu, fomos visitar esta tarde um engenheiro aeroespacial reformado. Vive há trinta e quatro anos dividido entre os arredores de Paris e Neaufles – St. Martin.
Vindo das ciências ditas, até há pouco exactas, interessou-se pela história e tem trabalhos publicados sobre monumentos locais. Faz parte de uma sociedade de heráldica e genealogia. Chama-se Jean-Paul Teillrad.
Vive a uns cem, duzentos metros da casa dos meus primos, com o seu cão Tin Tin, um boxer enorme e amável, que encontrou há uns anos atrás na rua magro e abandonado.
Conheço muitos sítios desta terra, e em todos eles conheci gente como o Jean-Paul, felizmente. São eles que, no meio de muita gente a empurrar para trás, empurram para a frente as coisas do património e da memória dos sítios onde vivem.
Querem café? Sim. E uma bebida alcoólica? Sim. Que preferem? Bebi armagnac. Excelente.
Enquanto olhava em redor, invejava as coisas dele, os livros, os papéis, tudo posto à sua maneira como eu gostaria de ter as minhas coisas. Tudo ali era dele e de mais ninguém. Senti-me bem. Depois olhei para ele, não o conheço, o Michel diz-me que não é um solitário, mas pareceu-me e o Mr Teillard vai-me desculpar disso, se quiser veja nisso apenas liberdade poética, vi um homem velho a viver com um cão e vi-me na idade dele a viver com a minha cadela. Confesso que não gostei.
Depois de me mostrar os seus projectos, de me falar das pesquisas, dos textos inéditos que quer publicar, de mostrar-me objectos, de bebermos mais armagac, senti que lhe devia perguntar algo que não tendo nada a ver com aquilo tudo afinal teria tudo a ver com aquilo tudo.
Posso fazer-lhe uma pergunta que não tem nada a ver com a história? Sim. É feliz?
Sabes, disse-me ele, De Gaule dizia muita vez quando lhe perguntavam o que era a felicidade que não sabia o que era a felicidade. Depois de ele me ter dito o que disse, agora que cheguei a casa e peguei nas notas, não sei se ele disse isso ou se disse que De Gaulle dizia que a felicidade não existia.
Qual das duas versões é a correcta? No fundo pouco interessa conhecer a versão correcta, se uma delas ou nenhuma até, só interessa saber que Teillard confessou assim que não era feliz.
Voltou-se para mim e perguntou-me: és feliz?
Sim. Apesar de tudo, sou, se calhar pelo que me aconteceu, pensei depois de o sim me ter saído espontâneo.
Não quero ser só historiador nem quero sequer ser em primeiro lugar historiador.
Nem quero chegar à tua idade assim.
Mas isto, pensei para os meus botões e guardei só para mim.
Mário Moura
Neaufles – Saint Martin
14 de Julho de 2010