Cesário Alvim, 27
       
       Há lembranças que incomodam, mesmo que prazerosas. Não é porque nos emocionam e nos enchem de lágrimas, molhando olhos, lavando tristes ou alegres faces, até em momentos inconvenientes, fazendo chorar homens que pretendem demonstrar resistência e dureza na queda e findam reconhecendo que chorar é uma das grandezas humanas e que lágrimas são preciosas gotas, frutos do sentimento. Há recordações que incomodam porque são insistentes, chegam sem avisar, saem furtivamente, de repente retornam, dia e noite, como quem desejasse, a certeza, na escrita, de que nunca serão esquecidas.
       Assim eram as memórias da casa 27 e das outras que formaram a Rua Cesário Alvim da infância de Abelardo Jurema Filho e da dos seus irmãos, agraciados, na dedicação da obra pelo autor: Oswaldo, Maria Amália, Elizabeth, Nara, Vanita, Rosalinda e João Luiz, e sua querida mãe D.Vaninha. Todos conviveram nessa inesquecível rua, nessa amada casa, unindo-os mais do que já eram. União crescida na hora do sofrimento da anunciada perda, quando o Ministro Abelardo Jurema ouvia pelo rádio e lia pelos jornais um dos maiores golpes da sua vida: o esvaecimento do seu entusiasmo político e a perda da liberdade para si e para todos os brasileiros, dos quais estava a serviço. Expressivos fatos são relatados no livro de Abelardo, como o do “bullying” na escola por motivos ideológicos lacerdistas e, quando o autor, menino, prova do que é a sociedade humana de Balzac: D. Ione, mãe das suas melhores amizades, comanda insultos e vaia a família, que já fora da casa 27, atônita como um pássaro expulso do ninho, ensaiava os primeiros passos por uma discreta estrada mais segura do que o próprio lar. 
       Essas lembranças, vez ou outra, vinham em pedaços, em notas da sua coluna ou, ultimamente, em crônicas, mas Abelardo livrou-se da incômoda cobrança das lembranças e, definitivamente, transformou a vontade dessas reminiscências de serem livro, evitando que a memória não escrita se igualasse às palavras do provérbio “verba volant” ou “as palavras voam”. As lembranças ficam, mas, com o tempo, devêm reminiscências que, assustadas pelas amnésias da vida, também batem asas. Nas “histórias do filho de um exilado”, como assim se fizeram a Ilíada e a Odisseia em Homero, levando a longes terras e trazendo de longes mares Ulisses, o degredo e a repatriação do Ministro Abelardo relembram, nos espaço e tempo telúricos, histórias que continuam vivas. 
       O exílio é o sofrimento de uma chama que não termina nem quando queima nem quando se apaga. E, enquanto queima , o exilado envia recado à pátria pelo vento, como o da “canção do exílio”, na Ópera Nabuco, de Verdi: “Vá, pensamento, nas asas douradas; / Vá, pousa-te nas encostas, nas colinas, / Onde se respiram livres e suaves / As doces auras do solo natal”, ou por aqui, como poetisa Gonçalves Dias, “... onde canta o sabiá...” porque  “...As aves que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá”.