MAIS QUE HUMANOS
Sentei-me à calçada. Tinha me ausentado, a pouco, de uma festa. Andando por um bairro desconhecido, escolhi um canto, sentei. Com os cotovelos apoiados sobre as coxas, mãos espalmadas sustentando o rosto. Sentei. Fingia pensar na vida, quando sobreveio um ligeiro cochilo.
A solidão pode tomar diversas formas na lembrança : saudades de uma amor, de uma amigo, saudades do que poderia ter sido, frustrações tão mais dolorosas quanto o tamanho das fantasias. Mas, talvez, a maior entre elas, a falta de senso comunitário, seja a mais comum e fatal, num grande centro como São Paulo.
Sentei na calçada, nem sei se pensava nessas coisas, quando senti uma suave lambida em meu rosto, seguida de um latido grave.
Diante as circunstâncias, minha soneca, quem sabe sob a iminência do perigo, calei; “estatuei-me” por ali mesmo. Seguiram ruídos, mal percebidos por mim, conformado e entregue, distante, quase sem estar – sozinho - ora pestanejando, sem força para confirmar de quem seria eu a vítima. A rua, a princípio, deserta.
Intui mais movimentos, até que de repente, uma passante – certamente, uma voz feminina – afoita, saiu em correria, alguns cachorros – deduzi pelos sons, cismaram com a coitada – Seriam perigosos ? Onde eu tinha me metido ?
Restabelecido e pronto para dar uma olhada no que acontecia, criei coragem, levantando o olho, observei-me rodeado: como que a me proteger em sitio tão deserto, meia dúzia de cães de bons tamanhos, cinco deles deitados, e descansando – um colado aos meus pés. Outro, que parecia o chefe do grupo, em pé, latia para os carros eventuais e para os passantes.
Entre eles, uma comunidade ! Por um instante, senti-me protegido. Ali, sem conhecer ninguém, à mercê, poderia ser assaltado, qualquer coisa... mas não, agora, fazia parte de uma comunidade. Essa - sem que precisássemos ser apresentados - cuidava do novo integrante. Não me solicitaram prova de talento especial, diploma, mestrado, ou qualquer coisa que me habilita-se. Quem sabe, a simples intuição canina, naquele momento, decidiu pela proteção daquele que parecia fragilizado. Seja como for, terá sido o mais próximo do humano que eu tenha esbarrado, nesses tempos tão educadamente competitivos e globalizantes.