Calabouço, o Restaurante de triste lembrança.
 
O ano?
1968/69.
Ela cursava a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A U.F.R.J. é próxima a Escola E.de Comando de Estado Maior do Exercito, ambas na Praia Vermelha no bairro da Urca,junto ao Pão de Açúcar.
Imagine, pequena distância separava estudantes e exercito; tipo de vizinhança indigesta, que acabaria mal com toda certeza, principalmente numa época de ânimos exaltados.
Nessa ocasião o Ministério da Educação e Cultura, MEC convidou a peso de ouro, especialistas americanos, para  reformularem o NOSSO ensino.
Resultado: Foram suprimidos alguns anos de estudo e matérias como latim, filosofia, principalmente educação política. Acrescentaram é óbvio, o inglês ao currículo escolar.
O negócio era fazer “os comedores de bananas” rezarem pela sua cartilha!
Os estudantes politizados a atualizados, acharam um absurdo o item que vetava aos estudantes o direito de expressarem sua opinião política. Ditadura e capitalismo troglodita iam contra os sonhos utópicos de liberdade da juventude daquela época!
Geraldo Vandré, com sua música Caminhando, cantava a pleno pulmões: Vem, vamos embora/que esperar não é fazer/quem sabe faz a hora/não espera acontecer/ Sua musica foi censurada!
Não deu outra, como se diz comumente o pau comeu!
A União Nacional dos Estudantes (considerada pelos militares um antro de comunistas) de um lado fazendo passeatas querendo liberdade e do outro o exercito muitas vezes a cavalo descendo a borracha numa briga feia e desigual.
Os militares da época viam comunistas até embaixo da cama, mas o que estava lá era o urinol...
É bem possível que pudesse haver alguns “vermelhos” infiltrados, mas este não era o cerne da questão! Muitas pessoas morreram ou sumiram durante esse período...
Em várias capitais e também no interior, estudantes se revoltaram e pagaram alto preço...
O estopim foi acesso quando no Rio o Restaurante dos Estudantes, apelidado de Calabouço, foi invadido pelos militares que entraram atirando. Foi um caos, um filme de terror!
Bandejas e talheres voavam, comida esparramada por todos os lados, jovens apavorados tentando se esconder nos lugares mais absurdos, os militares atirando,batendo as botas pesadas no chão e aos gritos, intimidavam a todos...  
Um estudante, Edson Luiz de Lima Souto foi alvejado no peito, teve morte instantânea, e Benedito Frazão Dutra, também ferido foi socorrido, mas veio a falecer alguns dias depois.
Mesmo apavorados, moças e rapazes saíram de onde estavam e carregaram o corpo de Edson Luiz para a Assembléia Legislativa, onde foi feita a autópsia e depois o velório. Todos temiam que os militares desaparecessem com o corpo do rapaz de apenas 17 anos, pois muitos mortos desapareciam...
Esta foi a gota dágua, os ânimos se exaltaram ainda mais, o medo foi substituído pelo ódio e o desejo de revanche...
A marcha cresceu, uma passeata de mais de cem mil estudantes tomou conta do centro do Rio, apoiados agora por jornalistas, intelectuais, artistas e raros políticos.
A revolta pelos desmandos era geral, mas o medo das conseqüências calava a boca da maioria...
Decretos eram baixados a torto e a direito. Piorou quando a censura atacava indistintamente quem ousasse “abrir o bico”, ou questionar, até mesmo o AI-5, (Ato Institucional ) , medida tomada por decreto na qual foram suspensas as garantias constitucionais do cidadão e o Congresso foi fechado.
Precisava mais???
O espírito de justiça falava mais alto, estudantes reunidos através de senhas, formavam uma multidão que se dispersava ao primeiro aviso de “Corre que eles estão vindo”...
O coração quase saltava do peito, de raiva e de impotência contra aquela força, correr era uma questão de sobrevivência e de bom senso.
Os donos das lojas e bares fechavam as portas na cara de quem procurava refúgio, até galeria de esgotos serviam de esconderijo.
Na bolsa sem nenhum documento eram levadas ataduras, esparadrapo, remédios para dor e o maldito do mertiolate que ardia pra caramba!
Passado o susto aos poucos iam voltando e formando novas fileiras de contestadores, curando os arranhões e tentando achar o que perdera na correria.
Foi uma verdadeira luta de idéias e de ideais até o exercito vencer, nem poderia ser de outro modo, paus, pedras e cartazes contra armas é pura inocência...
Muitos anos depois, tudo voltou ao normal. (Normal....?)
Interessante que passado esse período de terror, ficou tudo por isso mesmo... 
Azar de quem morreu ou sumiu, os parentes procuram por familiares desaparecidos até hoje...
Alguns “donos” do poder da época andam por aí cheio de medalhinhas nas roupas guardadas, descansando em berço esplendido. Infelizmente alguns dos estudantes que lutaram por justiça, agora na política, aceitam e participam das falcatruas em plena luz do dia...
São traidores, uns vendidos cara de pau!Homens e mulheres que outrora tinham ideais, hoje têm apenas rugas e nem honram seus cabelos brancos!
Os jovens atualmente não têm o mínimo interesse em política... Também pudera!
Não lhes tiro a razão, mau exemplo é dado constantemente, os mais velhos participam da “podridão”, os mais jovens se corrompem por  dois tostões ou troca de favores.Sem ética e sem vergonha, legislam em causa própria, fatos recentes comprovam este absurdo!
Conclusão, confiar ou votar em quem????.
Raramente surge a voz de alguém honesto, que esbraveja e denuncia os erros... Mas logo o calam....
Minha mãe aos seus noventa e dois anos de lucidez, outro dia assistindo ao jornal disse uma frase que ficou gravada no meu coração e na minha mente.
-È, minha filha não existe mais homens como os de antigamente! Não existe mais ideal, onde vamos parar?
Em silêncio pensei, e nem mulheres, mas me mantive calada!
Mal sabe ela que perdi algumas bolsas e muitos sapatos enquanto corria...
 
 
 
M.H.P.M.