CISNES: O BRANCO E O NEGRO - O BEM E O MAL EM NÓS
Uma lenda muito antiga, alemã, conta a história de princesas transformadas em cisnes brancos. O Teatro Bolshoi de Moscou encomenda ao compositor Tchaikovsky o Lago dos Cisnes para ser apresentado como um balé dramático. A primeira apresentação não obteve sucesso, não pela música, mas pelo corpo de bailarinos. Reformulou, foi e é sucesso, atravessando os tempos, já que a peça foi em 1876. Vi uma apresentação, há uns três anos e me encantei, pela beleza, leveza, figurino e dança.
Como é a história? O príncipe Siegfried completa 21 anos e sua mãe lhe diz que já é hora de escolher uma noiva. Ele sai à noite para comemorar com seus amigos e vai caçar. Avista no lago lindos cisnes brancos e, ao se preparar para atirar, vê-los transformados em belas princesas, sendo a Rainha a bela Odette. Eles se apaixonam e ela diz que seu encanto é quebrado por quem lhe ame e jure fidelidade. Sigfried a convida para um baile, no dia seguinte. A Rainha-mãe apresenta ao filho seis princesas, mas seu coração já está ocupado. Chega ao baile o mago Rothbart, com sua filha Odile, transformada em Odette. O príncipe não percebe o engano e ainda não era meia-noite, quando o feitiço permite a transformação de cisne em aparência humana. Quando ele percebe que foi enganado é tarde. Corre para o lago e o mago, para se vingar, afoga-os em águas profundas e turbulentas. Morre o amor que tinha toda esperança de ter o encanto quebrado; morre a pureza, as promessas e a fidelidade. Resta a tristeza do encontro com a morte para se libertarem da maldade.
No belo filme de Darren Arenofsky,"Cisne Negro", conta uma nova apresentação para o "Lago dos Cisnes". O diretor e coreógrafo, Leroy, procura uma bailarina que possa encarnar o Cisne Branco e o Cisne Negro. Encontra no quadro de bale de uma companhia em Nova York, dentre várias jovens, a bela bailarina Nina. Uma das profissões que mais exige do corpo é a de bailarina e Nina faz isto com disciplina até exagerada. Ele sente que ela é uma promessa de sucesso para o seu projeto, só que percebe que além de ser pura, também é fria, sem emoção. O filme consegue que a gente penetre nos dramas, conflitos e na doença psíquica que vai se instalando nela.
Nina vive com sua mãe, desconhece o pai e tem na figura materna o controle, a autoridade, a posse, o sufocação e a super-proteção. Fazem uma dupla para viver em função de ser um dia, Nina, destaque no balé, já que a mãe abandonou a dança aos 27 anos, grávida, sem nenhuma possibilidade de obter sucesso como bailarina. O drama psicológico de Nina, antes mesmo de ser escolhida para o lugar principal na peça, já que por conta da idade, deveria substituir a bailarina principal, começa a ser mostrado com escoriações que ela produz, com suas unhas, em suas costas, demonstrando já perturbações psicológicas. A mãe percebe, corta suas unhas, mas é incontrolável, daí usar bolero para disfarçar ou a mãe lhe fazer maquilagem. Os surtos de alucinações visuais começam a surgir, bem como mania de perseguição, já que há outra colega escolhida para substituí-la, caso houvesse necessidade. Notei que, em nenhum momento, ela não tem amizade com as outras companheiras. A relação muito forte só ela e a mãe. Um dia tenta contestar a mãe, mas sua estrutura psicótica já se manifestava e estrutura não se muda. Treina incansavelmente no papel do Cisne Negro, pois como diz o diretor, ela com sua candura ficava mais fácil representar o Cisne Branco, mas o Negro que representa maldade, inveja, competição, precisaria de muito esforço para se soltar. Como diz Leroy: "Perfeição não significa apenas controle, mas também se soltar...".
Mesmo vivenciando muitas emoções desagradáveis com a mãe, com a bailarina"aposentada", na véspera e no dia do grande evento da apresentação do Cisne Negro, Nina consegue chegar a tempo ao Teatro, dançar de forma majestosa, levando à glória o seu diretor, recebendo calorosos aplausos da plateia. Finalmente, encontra a libertação no encontro da perfeição que ela buscava. Muito dá o que pensar, inclusive o bem e o mal que habitam em cada um de nós, cabendo à força do meio fazer aflorar mais um ou outro e nos deixa a lição de que a perfeição não se encontra em vida.