A culpa não pode morrer sozinha!
(notícia do dia: mais um idoso encontrado morto, na solidão da indiferença)
Olho em volta e vejo multidões reunidas à volta de fogueiras falsas, unidas por elos assustadoramente combustíveis. Cada indivíduo dá a mão enluvada ao próximo aro da cadeia e segue em frente, acorrentado. Em frente, em frente, sem se permitir olhar para trás, muito menos para o lado, para os cantos esquecidos onde caem os mais fracos.
Os aros queimam, na iminência das fogueiras falsas, mas largá-los não é opção. Do lado de fora do círculo há prados, talvez, sorrisos antigos, afectos fora de moda. Dentro do modo "viver", no horizonte interior da fatuidade do fogo artificial, os artifícios da beleza efemeramente eterna imperam e escravizam. E o tempo tem uma dimensão íntima que avassala prioridades e repugna velhas idades.
Não há que ter complacência para com quem já não pode andar. Não há que ter paciência para ouvir lições de nos salvar. Paciência custa tempo, e tempo é dinheiro. E as lições, agora, já não se aprendem na prática, há universidades que nos ensinam - para que nos serve a sabedoria empírica e a crença racional de quem já não serve a velocidade da corrente?...
E, depois, a dinâmica dos afectos mudou com os tempos, e a palavra de ordem é adaptarmo-nos aos tempos. Amar é preciso, apaixonadamente, avassaladoramente, e isso implica concentrarmo-nos - desviando-nos (filhos degenerados das raízes que nos geraram...).
Morre gente ao nosso lado todos os dias. Só.
Gente que merecia o melhor lugar no lar que nos reúne...
Mas a pior morte é a da culpa - que morre sozinha, esquecida, irreclamada, num canto qualquer da nossa consciência.
[eu, pecador(a), me confesso...]