QUEM MANDA AQUI? (OU CRÔNICA DE UM PELO OBSTINADO)
Saiba que se você continuar lendo este texto, o fará por sua conta e risco. Não adianta me cobrar depois pelo seu tempo perdido.
Eu tenho um pelo na minha sobrancelha direita - ou seria a esquerda? Não, é a direita mesmo! - que insiste em nascer no sentido oposto aos demais.
No princípio eu achava isso engraçado, me tornava especial, diferente das outras pessoas.
Até que me interessei por uma menina, e por questão unicamente estética (não queria que ela tivesse uma impressão ruim) decidi remover o tal pelo.
Pode parecer algo radical exterminar um pelo cujo único pecado foi não ser como os outros. Mas todos sabem que quando se tem alguma marca, cicatriz, verruga ou algo do gênero, é justamente para ali que as pessoas olham. E eu não queria que a menina ficasse com o olhar fixo no meu pelo.
Decisão de remover o pelo tomada, faltava descobrir uma maneira de fazê-lo. Pensei em simplesmente apará-lo com uma tesoura, mas ele continuaria ali, camuflado entre os demais, podendo ser descoberto a qualquer momento.
Como eu era solteiro, não tinha pinça (mais adiante falarei sobre esse instrumento de tortura). Só me restava segurá-lo com os dedos e puxá-lo. O problema dessa técnica (se pudermos chamá-la assim) é que eu não tenho unha. Sempre as roí (mas isso é tema para uma outra conversa). Então precisei de incontáveis tentativas, todas doloridas, até finalmente me livrar do tal pelo.
Apenas duas coisas se passaram pela minha cabeça nesse momento: como é possível as mulheres aguentarem com frequência essa tortura, e como era bom saber que não teria mais que passar por isso.
O resultado do meu encontro com a tal menina não vem ao caso, mas você pode matar a curiosidade abrindo na página 342 do meu livro intitulado "As Mulheres Que Nunca Peguei na Minha Vida".
Algum tempo depois, aqui estava eu pensando na infinitude humana face à imensidão do universo, e em como ia conseguir dinheiro para pagar a conta de telefone, quando passei os dedos pela minha sobrancelha e senti algo me pinicar.
Logo peguei um espelho (é uma das maneiras mais eficientes que encontrei para ver meu próprio rosto) e após alguns segundos de busca um calafrio percorreu minha espinha, desde a nuca até a marquinha de biquín... ops... até a marca de sunga deixada pelo Sol ao queimar meu corpo másculo, viril e imune a qualquer resquício de boiolice.
Sim, meus amigos. Para minha surpresa lá estava o pelo do contra, como quem canta a velha canção: "Eu voltei, agora pra ficar..."
Como ele ainda não era longo o suficiente, não pude arrancá-lo como da primeira vez. Só o que me restou foi vê-lo crescendo dia após dia, desrespeitoso, desafiador.
Não sei bem ao certo quanto tempo precisei esperar, mas a sensação de impotência após cada tentativa frustrada de segurá-lo fez com que os dias parecessem semanas, meses.
Finalmente o dia chegou, e novamente após várias tentativas regadas a dor e desejo de vingança, ei-lo em minhas mãos.
Desta vez não o joguei pela janela, para que o vento não o trouxesse de volta (até hoje acredito que foi isso o que aconteceu). O joguei no vaso sanitário. E dei não apenas uma ou duas descargas, mas três!
Porém eu não poderia jamais imaginar que o raio caísse mais de uma vez no mesmo lugar. E numa tarde chuvosa de outono, lá estava ele de novo: o pelo!
Desta vez eu não queria passar pela tortura de esperá-lo crescer, então apelei para uma profissional. Peguei o telefone, e contei toda a história para minha mãe. Ela riu (mães às vezes são tão sádicas e insensíveis) e disse: Use uma pinça, ué!
Sim, meus amigos. A disputa havia tomado uma proporção muito maior. Se tornara uma luta armada!
Pra quem não sabe, uma pinça é um instrumento parecido com aqueles dois pauzinhos utilizados para comer comida japonesa, só que de metal, menor e mais fácil de segurar.
De posse de minha pinça, lá fui eu enfrentar meu inimigo. Após algumas tentativas frustradas e uns dez pelos arrancados por engano (entre lágrimas e palavrões), decidi usar também o espelho.
Melhor equipado e experiente, e tomando cuidado para evitar outras baixas, obtive uma nova vitória. E como reconhecimento à perseverança de meu oponente, dei a ele um funeral inspirado nos antigos ritos nórdicos: taquei fogo no bicho!
Mas, tal qual a lendária Fênix, ele parece ter ressurgido das cinzas e em poucos dias estava pinicando as pontas de meus dedos.
E assim tem sido nossa relação desde então. O pelo cresce um pouquinho, eu pego a pinça e o espelho, e o retiro de minha face cansada e marcada pelo tempo. E logo ele volta a crescer.
A única explicação para tanta teimosia do bendito pelo é que possuímos o mesmo DNA.
Hoje, apesar de ninguém dar o braço a torcer, ao menos aprendemos a nos respeitar. Ele ali na minha sobrancelha, irritantemente crescendo no sentido contrário dos outros pelos, e eu com minha pinça.
E por falar nisso, cadê essa pinça? Tenho certeza de que senti uma coisinha aqui me pinicando...