Da minha janela
De um lado, o centro de Porto Alegre, do outro, muitas fábricas. Da minha janela posso ver a Avenida Castelo Branco, o trensurb passar e posso ver o pôr do sol, um dos cenários mais lindos que já vi. A dois anos aproximadamente, desde que sai de minha casa e vim morar num apartamento, dedico os meus finais de semana a apreciar os fins de tarde no gasômetro, acompanhada de um bom chimarrão. Mas agora que me mudei de novo, troquei a orla do Guaíba pela minha janela. Da minha janela posso ver o espetáculo do dia acabar. E o mais interessante é que depois do ocaso o cenário se transforma. As ruas que por muito pouco tempo ficam desertas, repentinamente são invadidas por seus moradores, literalmente, os moradores de rua. Não sei de onde eles saem, porque nunca os vejo circulando pelas ruas durante o dia. Da minha janela fico sabendo um pouco mais sobre suas vidas, como sobrevivem e se relacionam. Acho que nem imaginam que alguém os espiona e acompanha seus passos. Sento-me junto à sacada, a observá-los e ouví-los. Em noite de lua cheia, além da beleza, fica mais fácil de visualisá-los. E o que mais me chama atenção é a união entre eles. Uns protegem aos outros. Dividem seus alimentos e se dão dicas de onde conseguir mais. Tem até um sofá que trazem sei lá de onde e alguns cobertores onde as mulheres se aninham.
Da minha janela posso vê-los tomando banho. Por vezes é possível rir, apesar da imensa tristeza que sinto pela falta de condição humana. Há um registro de água muito próximo da grade que protege uma empresa bem aqui em frente. "Os corujas", como os denomino, fazem uma força danada pra engatar uma pequena mangueira que carregam consigo. E ali se banham, lavam suas roupas. É a maior euforia. Não sei como que conseguem sorrir ainda, diante de tanta precairiedade.
De repente, o apito do guarda noturno. Ele faz a segurança das casas e "Os corujas" a dele. Junto dele, a dona que carrega um carrinho de supermercado. "Baiana", é assim que se referem a ela. Devido a seu traje talvez. Usa uma saia longa que um dia pode ter sido branca. É uma das mais respeitadas por ali. Depois dela, só o "Pirata". Conforme "Os corujas, ninguém passa por ele sem deixar algo em troca. Não é a toa que ele é o "Pirata" da tripulação. Isso se chama "Hierarquia".
Da minha janela, também já os vi serem abordados pela polícia que fazem a ronda pela cidade em busca de drogas. Já os vi apanhando muito por estarem fumando a maldita "pedra". Resistem por ela, tentam fugir, lutam até o fim. Mas não são vendedores, apenas usuários. Vítimas. Já chorei e rezei por eles, mesmo nunca tendo me conhecido. Acredito eu.
Da minha janela, posso ver a beleza e a tristeza. Posso ver, ouvir, sentir, e acima de tudo, agradecer a Deus com mais sinceridade, pelo sol, pela lua, pelas estrelas, enfim, por eu estar do lado de cá da minha janela.
Texto construído em janeiro de 2009.