DEVANEIOS
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Francisco Obery Rodrigues
oberyrodrigues5@hotmail.com
Despertando de minha habitual sesta, tomo o costumeiro cafezinho e sento em frente ao computador para abrir a internet e ver minha correspondência virtual. São dezesseis horas de uma tarde em que vejo, da minha janela, um céu bastante nublado, prenunciando chuva. Um vento forte sibila pelas frestas, em variados tons, como se pedindo para entrar. Não lhe dou importância. Gosto do vento, mas não quando vem frio, como nestes últimos dias, sobretudo daquele vento que chamamos encanado.
Antes de sentar-me, porém, liguei o som para ouvir um CD, com Daniel Bencó: “Guitar Serenade”, excelente. Daniel é húngaro e considerado o melhor violonista da Europa Central. Entre as 20 faixas – todas muito boas – destaco: “Serenata” de Schubert; “Revérie”, de Schumann; e as Ave Maria, de Bach e a de Gounod.
Enquanto via os e-mails, o CD rodava. Despertou-me a atenção uma melodia especial: “Sonho de Amor”, de Franz Liszt. Dediquei minha atenção a essa música, que é de uma beleza impar. E, então, magicamente, meu espírito, enlevado pela melodia, se transportou, como remoçado, a um mundo de encantamento. A imaginação deu asas à fantasia e saiu por aí, perambulando num tempo e num espaço indeterminados, como um aventureiro em busca do inatingível.
Franz Liszt – autor das Rapsódias Húngaras - nasceu na Hungria, em outubro de 1811 e faleceu em julho de 1886. Viveu em plena fase do Romantismo europeu. Já aos nove anos estreou como concertista de piano. Esteve em várias das principais capitais da Europa, entre elas Roma, Londres e Paris. Nesta cidade foi amigo de Chopin, de Lamartine, de Victor Hugo e, especialmente, de Georges Sand, que foi uma das mulheres de sua vida, ela e a princesa Caroline Sayn-Wittgenstein.
O surpreendente em sua história é que, aos 51 anos, para desapontamento dos seus inúmeros admiradores, se afasta da vida afortunada que levava e passa a ser mestre-capela da corte de Weimar. Em 1862, vai para Roma, onde recebe do Papa Pio IX o hábito de franciscano menor, constituindo-se essa decisão uma reviravolta em sua vida. Liszt deixou uma grande quantidade de obras que permanecerão eternas, dentre elas o Concerto para Piano em Si Bemol, os Prelúdios e suas Rapsódias Húngaras.
Pois é, a música desse gênio, nascido há quase duzentos anos, os acordes do seu “Sonho de Amor”, certamente inspiração de alguma de suas grandes paixões, na interpretação magistral de Daniel Benkó, seu compatriota, nesta tarde que já vai entrando na penumbra da noite, me induziram a escrever esta crônica para extravasar o meu encantamento, o que me fez bem à alma. Para mim, às vezes, a música, mais do que a poesia, ou a poesia mais do que a música, dependendo do momento e do estado de espírito, proporcionam especial acalento a este velho coração e embevecem esta alma sempre e irremediavelmente sentimental.
Octogenário e desatualizado, sofrendo o natural desgaste do tempo, entendo que não se faz mais música como as de Chopin, de Mozart, de Beethoven, de Bach, Tchaikovsky, de Verdi, de Johann Strauss, de Paganini, de Handel, Wagner, Schubert, Debussy, enfim dos grandes gênios que viveram especialmente na fase do Romantismo, fase que durou das últimas décadas do Século XVIII até à metade do Século XX. Na poesia, o esplendor remonta a Homero, Dante, Shakespeare, Cervantes e Camões, autores de obras imortais. Shelley, Neruda, Fernando Pessoa são admiráveis. No Brasil, tivemos Olavo Bilac, Ronald de Carvalho, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Oswald de Andrade, Raul de Leoni, Ferreira Gullar, Mário Quintana, João Cabral de Melo Neto, Manoel Bandeira, Carlos Drummond, Vinicius de Morais e outros tantos luminares da poesia, cujas obras são perenes.
Na pintura, o maior gênio foi Leonardo da Vinci (1452-1515). Esse descendente privilegiado do Homo Herectus foi, naquele tempo, além de pintor, escultor, cientista, matemático, engenheiro, arquiteto, botânico, inventor, músico e poeta. Também genial foi seu contemporâneo Michelângelo (1475-1564). Antes deles, viveu Fra Angelico (1387-1455). Outros grandes artistas que se tornaram célebres foram Velasquez, Goya, Pierre Bonnard, Van Gogh, Monet, Renoir, Caravaggio, Cèzanne e Picasso. No Brasil, tivemos Tarcila do Amaral, Cândido Portinari. Di Cavalcanti, Carybé e Anita Malfati.
Na filosofia, os monstros sagrados, que viveram antes de Cristo, foram Aristóteles (384-322), Platão (427-347 a.C.), Sócrates (439-399 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.). Meu diretor e culto professor Pe. Jorge O’Grady, no Ginásio Santa Luzia afirmava que toda a ciência moderna tem por base os princípios de Aristóteles, o que é confirmado em “História da Filosofia”, de Will Durant. Tanto no período medieval quanto no contemporâneo, outros grandes pensadores se destacaram, como Santo Agostinho, São Tomaz de Aquino, Descartes, Locke, Kant, Hegel, Nietzsche, Voltaire, Bergson, Russel e Sartre, Carl Marx.
No mundo antigo, reverencia-se, na ciência, o nome de Galileu. No decorrer da história conhecemos Newton, Lavoisier, Voltaire, Foucault, culminando com o gênio de Einstein.
Aliás, lembrei-me agora de uma entrevista que li na revista “Veja”, de 25.4.2007, com o australiano radicado nos EE.UU, Robert Hughes, considerado o mais famoso especialista em arte. Na entrevista, fala sobre artes plásticas e literatura e, a certa altura, diz: “Vivemos numa era muito pobre em matéria de artes visuais. Hoje se podem encontrar bons escultores e pintores, mas a idéia de que a arte atual possa se igualar às enormes realizações entre os séculos XVI e XIX, é um disparate”. Não se poderia dizer o mesmo em relação à filosofia e à música?
No mundo atual, de permanente conflito ideológico, a preocupação maior do homem é o desenvolvimento da tecnologia, inclusive no propósito de prolongar e até, através do projeto genoma, tentar igualar-se a Deus, na criação da vida. Grupos em todo o orbe e muitos cientistas preocupam-se com a ecologia. Em contraposição, observa-se uma tendência de crescimento das atenções espirituais. Se os homens que governam as nações fossem mais sensatos certamente viveríamos num mundo melhor.
Pode parecer ao leitor uma esnobação a referência aos nomes de tantos filósofos, cientistas, poetas, músicos, pintores, como se conhecesse as suas obras. Não, na verdade conheço muito pouco, quase nada. Mas sei quem foram, o tempo em que viveram, a importância de suas obras e sei, também, que elas são imortais.