CARNAVAL DE 1980 E O TRIO ELÉTRICO ARAPUCA(MILMORES)

Os carnavais de rua de Santa Maria eram sempre acompanhados por uma orquestra de sopros e percussão. Músicos como Jaime Santana, o bancário Carvalho, genro de Gildésio, entre outros, formavam a pequena orquestra que divertia os foliões sempre no período da tarde.

Com o passar dos anos, com o advento dos trios elétricos em Salvador , como o trio de Dodô e Osmar, pioneiros no ramo e criadores do cavaquinho elétrico, Antônio Mora (Toe Mora apelido dado por ser um grande fã de Roberto Carlos, afinal de contas Antônio falava demais, "é uma brasa mora", um dos bordões do Rei), com Altamiro seu pai, resolveu criar um trio elétrico improvisado e a partir desta criação, o carnaval de rua deixou de ser animado pelas orquestras e passou a ser sacudido pelos acordes elétricos. Se salvo me engano, o maestro Antônio Soares também fazia parte daquele trio.

Para o carnaval de 1980, Ruy de Morais e Milton Nogueira, dois amigos inseparáveis, o primeiro torcedor do Botafogo e o segundo torcedor do Flamengo, ambos responsáveis pela implantação do basquete no Centro Educacional Santa Mariense, juntamente com o professor Tércio Santana (Tutes) capazes de saírem aos tapas por causa de futebol, e minutos depois fazerem as pazes.

Ruy de Moraes e Milton de João Nogueira, juntos resolveram também criar um trio elétrico, dando o nome de Trio Mil Mores ,uma auto- homenagem a eles próprios: Mil de Milton e Mores de Moraes.

Genilton, nosso colega de escola e músico da cidade, que um dia no auditório Henrique M'Call durante os ensaios de uma peça de far west, deu um tiro de verdade na parede com uma garrucha de dois canos, de propriedade de seu pai,( Dona Nenzinha nunca soube e se caso soubesse, estaríamos em maus lençóis) foi convidado a ser o tocador de cavaquinho, juntamente com o solista do grupo Por do Sol, um conjunto musical de São Felix do Corrente.

Alguns outros colegas e eu fomos convidados a participarmos do trio e diante de um Rio Corrente quase cheio pela grande carga pluviométrica, e numa certa noite às

vésperas do carnaval, atravessamos de barco o rio caudaloso e fomos até o salão do Por do Sol em São Félix, e sem nenhum ensaio, apenas com a escolhas das músicas, montamos o nosso repertório para o carnaval de rua.

A nossa pretensão, ou melhor, a pretensão do Ruy de Morais e do Milton de João Nogueira (comerciante da cidade e meu xará até no sobrenome) era em demasia, pois iríamos concorrer com um trio de músicos experientes e bons de mais e mesmo assim nada nos demoveu da ideia e seguimos em frente com o desafio.

Finalmente chegou o sábado de carnaval tanto o clima quanto São Pedro pareciam conspirar contra nós. A Delegacia de Polícia foi a nossa improvisada sede e local de concentração e da guarda de instrumentos.

Tínhamos as chuvas de início de ano como boicotadoras do evento e foi aí que surgiu a ideia genial do Ruy e do Miltonde cobrirem o trio, digo, o caminhão com os nossos equipamentos, com uma lona que foi emprestada por um mascate amigo da gente.

Instalada a cobertura com a lona, o carro ficou parecendo com aqueles paus de araras que iam para o sul levando retirantes do nordeste, e ou dos romeiros para as festas de Bom Jesus da lapa.

Carinhosamente o trio foi apelidado de trio arapuca, e pasmem, se não fosse ele não teríamos carnaval de rua, pois com as chuvas torrenciais não dando trégua, o trio de Tõe Mora ficou impedido de sair e só pôde tocar na terça de carnaval, quando houve uma pequena estiagem, inclusive com o brilho de sol,preguçosamente espiando os foliões.

Na terça feira de carnaval nós passamos por uma prova de fogo, quando o trio de Tôe Mora e Altamiro se aproximou do nosso e ficamos com medo de que o público nos deixasse a ver navios, mas para a nossa surpresa a multidão acabou preferindo o nossos trio.

Segundo alguns comentários feitos mais tarde, ficamos sabendo que a nossa bateria estava com mais ritmo de carnaval, afinal de contas, os maiores tocadores de tarol estavam no nosso trio, e embora os nossos músicos não fossem tão experientes quanto os do trio Mora, o que nos salvou foi a percussão. Lembro me pelo menos de um tocador de tarol: eu mesmo. Também tinha o Milguelzinho de Flavio e outros mais.

Eu nunca me esqueci daquele carnaval! Parecia que ele seria a minha despedida do carnaval de Santa Maria da Vitória. E de fato foi até agora! Nunca mais pude passar uma folia por lá. Também foi a última vez que vi o Corrente banhar o Jardim Jacaré com as suas águas barrentas provocadas pelas cheias das chuvas.

O mais importante é que naquele carnaval, o idealismo de Ruy de Morais e Milton de João Nogueira de criarem um trio elétrico coberto com lona, mesmo que apelidado de trio arapuca, foi o que possibilitou o folião de Santa Maria da Vitória a pular o carnaval em todas as tardes, já que o outro trio só pôde sair na terça de carnaval e na quarta de cinzas, inclusive levando broncas dos padres, devido ao fato de fazer a concentração quase que na porta da igreja matriz, na hora da missa.

O nosso trio encerrou o carnaval com uma linda alvorada na madrugada da quarta feira de cinzas e como eu estava com uma tosse brava, infelizmente acabei por não participar, o que foi uma pena! E de fato foi uma pena mesmo, porque seria a minha ultima participação em um carnaval de rua na minhavida!

É o que há!